Arquivo do mês: dezembro 2019

Sexta Selvagem: Piolho-de-Peixe-Comum

por Piter Kehoma Boll

Como bem sabemos, os crustáceos formam o grupo de artrópodes mais diverso tanto morfológica quando ecologicamente. Um clado peculiar é o dos arguloídeos ou piolhos-de-peixe.

Como você deve deduzir pelo nome comum, piolhos-de-peixe são parasitas de peixes e eventualmente de outros vertebrados. Uma das espécies mais comuns e conhecidas é Argulus foliaceus, chamada comumente de piolho-de-peixe-comum.

O piolho-de-peixe-comum é encontrado em corpos de água doce da Europa e parasita várias espécies diferentes de peixe. Seu único alimento é sangue de peixe, de forma que ele é obrigado a procurar um hospedeiro assim que eclode do ovo. Assim que encontram um peixe, os piolhos-de-peixe se prendem firmemente à sua pele e permanecem ali a maior parte da vida, só deixando o hospedeiro para acasalar ou se o hospedeiro morre e se torna necessário encontrar um hospedeiro novo. Trutas, percas, pardelhas e esgana-gatas são hospedeiros frequentes do piolho-de-peixe-comum.

Observe alguns ovos eclodindo e as larvas que saem deles.

O primeiro e único estágio larval, chamado de metanáuplio, mede menos de 1 mm de comprimento e possui antenas e palpos longos e plumosos, mas pernas relativamente curtas. As pernas torácicas possuem garras, no entanto, e ajudam a larva a se prender no hospedeiro. No segundo estágio, já um jovem adulto, as antenas se tornam muito mais curtas, mas as pernas crescem mais, especialmente as pernas abdominais, que se tornam plumosas como as antenas costumavam ser. Daí em diante, o corpo permanece com uma forma mais ou menos constante, mas aumenta de tamanho, atingindo cerca de 6 mm no décimo primeiro estágio.

Vários piolhos-de-peixe-comuns parasitando uma truta na Dinamarca. Foto do usuário mikkel65 do iNaturalist.*

Em ambientes naturais, o número de piolhos-de-peixe-comuns por peixe é geralmente pequeno e eles não prejudicam o hospedeiro tanto assim. Contudo, em habitats confinados, como criadouros de peixe, eles podem atingir densidades altas e acabar causando uma elevada mortalidade.

Assim como muitos outros parasitas externos e outros tipos de animais sugadores de sangue, o piolho-de-peixe-comum pode servir como hospedeiro intermediário de alguns parasitas nematódeos que infectam peixes de água doce. Os estágios larvais do verme chegam ao piolho-de-peixe quando ele se alimenta de peixes infectados e permanecem em seu corpo, eventualmente infectando um novo peixe quando o crustáceo abandona seu lar atual e procura por um novo.

Assim, às vezes o maior problema que o peixe enfrenta não é o piolho-de-peixe em si, mas sim seus caroneiros.

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Mais maxilópodes:

Sexta Selvagem: Cálano-glacial (em 1 de julho de 2016)

Sexta Selvagem: Percebe-comum (em 31 de maio de 2019)

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Referências:

Harrison AJ, Gault NFS, Dick JTA (2006) Seasonal and vertical patterns of egg-laying by the freshwater fish louse Argulus foliaceus (Crustacea: Branchiura). Diseases of Aquatic Organisms 68:167–173.

Molnár K, Székely C (1998) Occurrence of skrjabillanid nematodes in fishes of Hungary and in the intermediate host, Argulus foliaceus. Acta Veterinaria Hungarica 46(4): 451-463.

Pasternak AF, Mikheev VN, Valtonen ET (2000) Life history charactheristics of Argulus foliaceus L. (Crustacea: Branchiura) populations in Central Finland. Annales Zoologici Fennici 37: 25–35.

Rushton-Mellor SK, Boxshall GA (1994) The developmental sequence of Argulus foliaceus (Crustacea: Branchiura). Journal of Natural History 28(4): 763–785. doi: 10.1080/00222939400770391

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Sexta Selvagem: Mutuca-de-Hipopótamo

por Piter Kehoma Boll

Se você já viveu no interior ou visita o interior frequentemente, deve estar ciente da existência de um grupo incômodo de moscas que mordem humanos e outros animais, as chamadas mutucas, que compõem a família Tabanidae. A espécie de hoje é membro desta família e é cientificamente conhecida como Tabanus biguttatus e comumente pode ser chamada de mutuca-de-hipopótamo.

Esta espécie é encontrada através da África e algumas áreas do Oriente Médio, sendo, aparentemente, muito mais comum no leste e no sudeste da África. Como ocorre com todas as mutucas, a mutuca-de-hipopótamo possui uma larva semiaquática que vive em áreas lamacentas. Elas são predadores ferozes e predam outros animais vivendo no mesmo habitat, tal como larvas de tipulídeos, e podem se alimentar também de animais mortos. Quando as larvas estão prestes a empupar, elas constroem um cilindro de lama, o cobrem com uma tampa circular com apenas um pequeno buraco que as permita respirar, e permanecem ali até se tornarem adultos. Esta é, aparentemente, uma estratégia para evitar dessecação.

Mutuca-de-hipopótamo macho na África do Sul. Foto de Ryan Tippett.*

Mutucas-de-hipopótamo adultas medem cerca de 2 cm de comprimento, sendo mutucas relativamente grandes, e mostram um dimorfismo sexual considerável. Como ocorre em todos os tabanídeos, os machos são menores e possuem olhos compostos maiores que as fêmeas. Os olhos dos machos são tão grandes que tocam um ao outro, cobrindo todo o topo da cabeça. Fêmeas, por outro lado, possuem olhos menores com um espaço considerável entre eles. O corpo tanto do macho quanto da fêmea é predominantemente preto. Os machos possuem duas manchas triangulares brancas no abdome enquanto as fêmeas possuem o tórax coberto de pelos que variam de branco a dourado com uma pequena mancha preta em forma de coração no meio.

Mutuca-de-hipopótamo fêmea na África do Sul. Créditos à usuária bdwright do iNaturalist.*

Mutucas-de-hipopótamo machos adultas são inofensivas e se alimentam apenas de néctar. Fêmeas, por outro lado, precisam de sangue de mamíferos para conseguirem proteína suficiente para o desenvolvimento dos ovos. Elas atacam muitas espécies de mamíferos de grande porte, incluindo humanos, gado e até cães, mas possuem uma forte preferência por hipopótamos, de onde o nome comum.

Duas mutucas-de-hipopótamo fêmeas se alimentando num facocero-do-sul (Phacochoerus africanus spp. sundevallii). Foto do usuário happyasacupake do iNaturalist.*

Mutucas-de-hipopótamo, como todos os tabanídeos, são moscas diurnas e amam locais ensolarados. Elas evitam áreas sombreadas, então animais em áreas abertas são muito mais vulneráveis. Para conseguir sangue, uma fêmea se aproxima dos animais e lhes corta a pele com suas peças bucais afiadas, fazedo-os sangrarem e lambendo o sangue. A mordida é muito dolorida, como você deve saber se já foi picado por uma mutuca. Se não é perturbada, a mosca pode ficar até três minutos bebendo sangue.

Close das duas moscas nas costas do facocero. Foto do usuário happyasacupake do iNaturalist.*

A atividade de beber sangue das mutucas-de-hipopótamo fêmeas, e de tabanídeos em geral, as torna prováveis vetores mecânicos de alguns parasitas, incluindo espécies do gênero de flagelados Tripanossoma, bem como Bacillus anthracis, a bactéria que causa o antraz, uma doença consideravelmente comum em hipopótamos.

Mutucas-de-hipopótamo são um incômodo tão grande para hipopótamos que o comportamento deles é altamente afetado pela presença das moscas, muito mais que presença de qualquer predador de grande porte. Muitas vezes os hipopótamos permanecem na água unicamente para se livrarem destes insetos irritantes.

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Mais dípteros:

Sexta Selvagem: Mosca-doméstica (em 12 de outubro de 2012)

Sexta Selvagem: Mosca-abelha-fofa (em 29 de julho de 2016)

Sexta Selvagem: Mosquinha-do-banheiro (em 5 de abril de 2019)

Sexta Selvagem: Mosquito-de-remo-azul (em 27 de setembro de 2019)

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Referências:

Callan EM (1980) Larval feeding habits of Tabanus biguttatus and Amanella emergens in South Africa (Diptera: Tabanidae). Revue de Zoologie Africaine 94(4): 791-794.

Tinley KL (2009) Some observations on certain tabanid flies in North-Eastern Zululand (Diptera: Tabanidae). Proceedings of the Royal Entomological Society of London. Series A, General Entomology, 39(4-6), 73–75. doi: 10.1111/j.1365-3032.1964.tb00789.x

Tremlett JG (2009) Mud cylinders formed by larvae of Tabanus biguttatus Wied. (Diptera: Tabanidae) in Kenya. Proceedings of the Royal Entomological Society of London. Series A, General Entomology, 39(1-3), 23–24. doi: 10.1111/j.1365-3032.1964.tb00779.x

Wiesenhütter E (1975) Research into the relative importance of Tabanidae (Diptera) in mechanical disease transmission. Journal of Natural History, 9(4), 385–392. doi: 10.1080/00222937500770281 

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*Creative Commons License Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons de Atribuição Não Comercial 4.0 Internacional

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Sexta Selvagem: Broca-Verde-do-Freixo

por Piter Kehoma Boll

E hora do próximo besouro e desta vez nosso camarada é uma espécie que passou seu primeiro século após sua descoberta sem chamar muita atenção, mas então algo aconteceu. Seu nome é Agrilus planipennis e é comumente conhecido em inglês como emerald ash borer, que eu adaptei para o português como broca-verde-do-freixo.

Uma broca-verde-do-freixo adulta em Virginia, EUA. Foto de Bryan Wright.*

Nativa da Ásia Oriental, a broca-verde-do-freixo é encontrada no sudeste da Rússia, na Mongólia, no norte da China, na Coreia e no Japão. Os adultos medem cerca de 8.5 mm de comprimento e possuem uma cor verde metálica na cabeça, no pronoto e nos élìtros, e uma cor roxo-iridescente no lado dorsal do abdome que é visto quando as asas estão abertas. Eles vivem na copa de freixos (Fraxinus spp.) durante a primavera e o verão e se alimentam de suas folhas.

Após cerca de uma semana como adultos, as brocas-verdes-do-freixo começam a acasalar. As fêmeas permanecem nas árvores e os machos sobrevoam o local procurando por elas. Assim que uma fêmea é localizada, o macho se deixa cair sobre ela e eles começam a acasalar. Depois de o acasalamento ser concluído, as fêmeas vivem por mais algumas semanas e tipicamente põem cerca de 40 a 70 ovos, apesar de algumas viverem mais tempo e porem até 200 ovos.

Vista dorsal de uma broca-verde-do-freixo com as asas abertas mostrando o abdome roxo-iridescente.

Os ovos são postos entre frestas e rachaduras da casca e eclodem cerca de duas semanas depois. As larvas recém-eclodidas abrem um caminho com mordidas através da casca, atingem os tecidos internos e começam a se alimentar deles. Elas atingem até 32 mm de comprimento no quarto ínstar, mais de três vezes o comprimento do adulto, e empupam durante a primavera, emergindo como adultos logo depois. Na China, os adultos emergem das árvores em maio.

Uma larva dentro de um freixo na Pensilvânia, EUA. Créditos a Pennsylvania Department of Conservation and Natural Resource.**

Em sua área nativa, a broca-verde-do-freixo pode ser um incômodo, mas não é altamente problemática porque ocorre em baixa densidade. Contudo em 2002 a espécie foi encontrada nos Estados Unidos se alimentando de espécies locais de freixo. Visto que a broca-verde-do-freixo não possui inimigos naturais na América do Norte e que as espécies de freixo neste continente não evoluíram para serem resistentes à infecção, ela começou a se espalhar rapidamente. Em menos de duas décadas, o besouro matou milhões de freixos e é uma ameaça séria aos outros mais de oito bilhões de freixos que ainda ocorrem na América do Norte. Com a morte dos freixos, as florestas da América do Norte se tornam vulneráveis a mais espécies invasoras, as quais só vão piorar o cenário.

Dano causado pelas larvas a uma árvore no estado de Nova Iorque, EUA. Foto do usuário bkmertz do iNaturalist.*

De modo a controlar a disseminação da broca-verde-do-freixo, os freixos são tratados com pesticidas. Quatro vespas parasitoides da China que se sabe que atacam apenas a broca-verde-do-freixo também foram soltas na América do Norte para ajudar a controlar a disseminação e seu sucesso ainda está sendo avaliado. Armadilhas, como painéis roxos cobertos de cola, os quais são visualmente atrativos para os besouros, também são usadas para capturar os animais e determinar a extensão da invasão.

Mais uma vez, uma espécie bem tranquila levou a um desastre ecológico devido à influência humana e agora estamos correndo para evitar um colapso ecossistêmico ao longo de um continente inteiro.

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Referências:

Francese JA, Mastro VC, Oliver JB, Lance DR, Youssef N, Lavallee SG (2005) Evaluation of colors for trapping Agrilus planipennis (Coleoptera: Buprestidae). Journal of Entomological Science 40(1): 93-95.

Liu H, Bauer LS, Miller DL, Zhao T, Gao R, Song L, Luan Q, Jin R, Gao C (2007) Seasonal abundance of Agrilus planipennis (Coleoptera: Buprestidae) and its natural enemies Oobius agrili (Hymenoptera: Encyrtidae) and Tetrastichus planipennisi (Hymenoptera: Eulophidae) in China. Biological Control 42(1): 61-71. doi: 10.1016/j.biocontrol.2007.03.011

Wang XY, Yang ZQ, Gould JR, Zhang YN, Liu GJ, Liu ES (2010) The biology and ecology of the emerald ash borer, Agrilus planipennis, in China. Journal of Insect Science 10(1): 128. doi: 10.1673/031.010.12801

Wikipedia. Emerald ash borer. Disponível em < https://en.wikipedia.org/wiki/Emerald_ash_borer >. Acesso em 9 de dezembro de 2019.

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Uma dieta balanceada pode te matar mais cedo… se você for uma planária terrestre

por Piter Kehoma Boll

Há uma coisa que eu deveria fazer mais frequentemente aqui, que é apresentar minha própria pesquisa para os leitores do blog, então hoje farei exatamente isso.

Como vocês devem saber, o grupo de organismos com que trabalho é a família Geoplanidae, comumente conhecidas como planárias terrestres. Aqui no Brasil, o gênero com mais espécies é Obama, do qual falei em posts anteriores. Este gênero se tornou consideravelmente famoso após uma de suas espécies, Obama nungara, se tornar invasora na Europa, o que chamou a atenção do público especialmente por causa do nome curioso do gênero, apesar de ele não ter nada a ver com o ex-presidente dos Estados Unidos.

Enfim, durante meu mestrado, ficou claro que espécies do gênero Obama se alimentam de invertebrados de corpo mole, especialmente lesmas e caracóis, apesar de algumas espécies também se alimentarem de minhocas ou mesmo outras planárias terrestres. Obama nungara, por exemplo, se alimenta dos três grupos, apesar de parecer preferir minhocas.

Um espécime de Obama anthropophila com suas sardas testiculares. Foto minha, Piter K. Boll.*

Um espécie de Obama comum em áreas urbanas do sul do Brasil é Obama anthropophila, cujo nome, significando “amante de humanos” é uma referência a este hábito precisamente. Esta espécie possui uma cor dorsal uniformemente marrom-escura, às vezes manchada pelos testículos maduros aparecendo como manchas escuras na primeira metade do corpo. A dieta desta espécie inclui caracóis, lesmas, nemertíneos e outras planárias terrestres, especialmente do gênero Luteostriata, e mais especialmente da espécie Luteostriata abundans, que ocorre muito comumente em áreas urbanas também.

Assista Obama anthropophila capturando diferentes presas.

Assim eu me perguntei… se O. anthropophila se alimenta de diferentes tipos de invertebrados, isso significa que cada tipo fornece nutrientes diferentes, de forma que uma dieta mista é necessária ou mais benéfica que uma composta de um só tipo de presa? Para averiguar isso, dividi espécimes adultos de O. anthropophila em três grupos, cada um recebendo uma dieta diferente:

Grupo Dela: alimentado apenas com a lesma Deroceras laeve
Grupo Luab: alimentado apenas com a planária Luteostriata abundans
Grupo Mixed: alimentado com ambas as presas de forma alternada

Os resultados não foram o que eu esperava. O grupo Mixed apresentou uma taxa de sobrevivência menor que os grupos com dieta de só uma presa. Outro aspecto interessante foi que o grupo Mixed apresentou uma tendência a passar o dia de receber uma lesma sem comer, comendo apenas as planárias após alguns dias recebendo as presas alternadamente.

Baseado na hipótese de que uma dieta mista é mais nutritiva, eu esperava que o grupo Mixed apresentasse um desempenho melhor, ou ao menos similar ao dos grupos de dieta única se não houvesse aumento no valor nutricional com uma presa adicional. Contudo os resultados indicam que uma dieta mista pode ser ruim para a planária, ao menos se o animal precisa comer algo diferente em cada refeição.

Não sabemos o que causa isso, mas minha ideia é de que talvez diferentes presas demandem diferentes processos metabólicos, como a produção de diferentes enzimas e tal, e ter que resetar seu metabolismo constantemente é muito custoso. Como resultado, o desempenho dos espécimes recebendo tal dieta diminuiu e os animais passam a evitar um dos tipos de alimento porque comer menos é menos perigoso que misturar comida.

Uma Obama anthropophila “grávida” prestes a pôr uma cápsula de ovos. Foto minha, Piter K. Boll.*

Outro aspecto interessante é que planárias recebendo uma dieta mista, mesmo morrendo mais cedo, punham cápsulas de ovos mais pesadas que os grupos de dieta única. Cápsulas de ovos mais pesadas geralmente significam mais embriões ou mais nutriente para os embriões, aumentando o sucesso reprodutivo. Mas como um animal morrendo pode ser melhor se reproduzindo que um animal saudável?

Bem, isso pode estar relacionado à hipótese do investimento terminal. Acredita-se, e é provado em alguns grupos, que um organismo pode aumentar seu investimento em reprodução quando eventos reprodutivos futuros não são esperados, isto é, quando um organismo “se dá conta” de que está prestes a morrer, ele põe todo seu esforço em se reproduzir para garantir que seus genes passem para gerações futuras.

Não podemos ter certeza de nada ainda. Mais estudos são necessários para entender melhor a relação de planárias terrestres com sua comida. O que podemos assegurar é que, assim como Obama nungara, Obama anthropophila pode acabar na Europa ou outro lugar logo porque sua dieta relativamente ampla e sua proximidade com humanos a fazem uma potencial nova espécie a ser acidentalmente espalhada pelo mundo.

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Referência:

Boll PK, Marques D, & Leal-Zanchet AM (2020) Mind the food: Survival, growth and fecundity of a Neotropical land planarian (Platyhelminthes, Geoplanidae) under different diets. Zoology 138: 125722.

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*Creative Commons License Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons de Atribuição 4.0 Internacional.

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Sexta Selvagem: Aranha-florinda

por Piter Kehoma Boll

Há muitos grupos de aranhas que são bem conhecidos pelo público em geral, como caranguejeiras, papa-moscas, aranhas-lobo, tecedoras de teias orbiculares… mas um grupo com um número muito grande de espécies, a família Linyphiidae, geralmente passa despercebido.

Aranhas da família Linyphiidae são comumente conhecidas como aranhas-anãs ou tecedoras de lençóis pelo formato de suas teias. Uma espécie comum no leste dos Estados Unidos, especialmente no sudeste, é Florinda coccinea. Conhecida em inglês como black-tailed red sheetweaver, não possui nome popular em português, então decidi chamá-la simplesmente de aranha-florinda. Tendo apenas de 3 a 4 mm de comprimento, a aranha-florinda possui um corpo vermelho e uma pontinha preta no abdome. As pernas são marrom-avermelhadas a pretas.

Aranha-florinda fêmea no Mississipi, EUA. Foto de Tiffany Stone.*

Machos e fêmeas são muito similares em tamanho, com os machos sendo apenas ligeiramente menores. Os sexos podem ser facilmente distinguidos pelo abdome e pelos pedipalpos como na maioria das aranhas. As fêmeas possuem pedipalpos menores e um abdome mais arredondado, enquanto machos possuem pedipalpos com uma expansão redonda na ponta e abdome mais esbelto.

Um macho na Flórida. Foto do usuário rsnyder11 do iNaturalist.*

A teia da aranha-florinda, como a de outras tecedoras de lençol, consiste de um lençol horizontal com alguns fios adicionais por cima. Insetos voadores, quando colidem com os fios, caem no lençol e são capturados pela aranha.

Aspecto típico da teia da aranha-florinda como vista em campo, aqui coberta de gotículas de orvalho. Foto do usuário ndrobinson do iNaturalist.**

O comportamento de acasalamento da aranha-florinda começa com o macho entrando na teia da fêmea. Ele geralmente corta fora parte da teia da fêmea e deposita teia nova no mesmo lugar. Depois disso, ele se aproxima da fêmea, toca todas as pernas dela com seu par de pernas anteriores e aí começa a pseudocópula, na qual introduz os tubos de seus pedipalpos na genitália da fêmea, mas, como eles ainda estão vazios, a cópula não pode acontecer. Após algum tempo nessa brincadeira, o macho constrói uma pequena teia triangular e deposita uma gota de esperma nela. Ele então coleta o esperma com seus pedipalpos e se aproxima da fêmea mais uma vez, dessa vez fecundando-a pra valer.

De novo, a ecologia e a história de vida da aranha-florinda não são bem estudadas. E o mesmo vale para quase todas as espécies da família Linyphiidae, mesmo sendo a segunda maior família de aranhas no planeta. Elas são pequeninas demais para que a maioria de nós se importe.

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Referências:

Robertson MW, Adler PH (1994) Mating behavior of Florinda coccinea (Hentz) (Araneae: Linyphiidae). Journal of Insect Behavior 7(3): 313–326. doi: 10.1007/BF01989738

Wikipedia. Blacktailed red sheetweaver. Disponível em < https://en.wikipedia.org/wiki/Blacktailed_red_sheetweaver >. Acesso em 23 de outubro de 2019.

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