por Rafael Nascimento
Aves falantes e de cores exuberantes sempre exerceram forte fascínio no ser humano, e comigo não poderia ser diferente. Além disso, a curiosidade que algo raro ou perdido desperta é um fator importante para definir um tema de interesse para alguém. A combinação desses dois fatores é a fundação que sustenta um grande interesse de minha parte nas espécies de psitacídeos extintas, principalmente aquelas com pouca evidência de sua existência duvidosa. Diversos psitacídeos habitantes de paraísos insulares foram extintos nos últimos séculos, principalmente devido a caça para consumo, o comércio de espécimes em cativeiro e a destruição de seu habitat. Neste artigo eu irei falar sobre uma espécie que é dita ter habitado a ilha de Dominica, nas Antilhas Menores (Caribe).
Dominica foi inicialmente habitada pelos índios caribes e depois colonizada por franceses e ingleses. A caça por parte dos indígenas é geralmente sustentável, não representando grande ameaça para a espécie. A colonização europeia, no entanto, provou-se devastadora, um cenário comum não apenas nessas ilhas, mas em diversos outros pontos do planeta.
A arara-verde-e-amarela-dominicana (também chamada de arara-de-Atwood ou simplesmente arara-dominicana), Ara atwoodi, é conhecida apenas pelo relato de Thomas Atwood. Em sua obra “The history of the island of Dominica. : Containing a description of its situation, extent, climate, mountains, rivers, natural productions, &c. &c. Together with an account of the civil government, trade, laws, customs, and manners, of the different inhabitants of that island. Its conquest by the French, and restoration to the British dominions” de 1791, Atwood descreve a fauna local, da qual seus elementos podem ser associados às espécies conhecidas da região, com a exceção de um tipo de psitacídeo não mais encontrado ali e que difere-se dos outros que são encontrados na ilha (Amazona arausiaca e A. imperialis, que Atwood provavelmente considerou uma única espécie em sua descrição) ou de qualquer outra parte do planeta. A seguir o trecho descritivo traduzido para o português: “A arara é do tipo do papagaio, mas maior que o papagaio comum, e faz um barulho mais desagradável e áspero. Estão em grande quantidade, assim como são os papagaios nesta ilha; ambos têm uma plumagem deliciosamente verde e amarela, com substancia carnosa cor escarlate do ouvido até a base do bico, desta cor sendo também as penas primárias das suas asas e caudas. Reproduzem-se no topo das árvores mais altas, onde se alimentam de grande quantidade de frutas juntas; e são facilmente descobertas por seu som tagarelante alto, que a distância lembra vozes humanas. As araras não podem ser ensinadas a articular palavras; mas os papagaios desta terra podem, tomando os esforços com eles quando são capturados jovens. A carne de ambos é consumida, mas sendo bastante gordurosa, ela diminui ao ser assada, e fica seca e insípida ao ser comida; por essa razão, são usados principalmente para fazer sopa, que é considerada bem nutritiva.
Acredita-se que se tornou extinta no final do século XVIII ou no começo do XIX. Já que não existe nenhuma espécie de arara vivente de cor verde e amarela (excluindo híbridos), Austin Hobart Clark assumiu que a ave do relato pertencia a uma espécie ainda desconhecida pela ciência, incluindo-a primeiramente em Ara guadeloupensis (que é dita ter habitado a ilha vizinha de Guadalupe). Com a descoberta do relato de Atwood foi considerada distinta, recebendo o status de espécie em 1908.
Considerada hipotética pela maioria dos autores, Ara atwoodi geralmente não é incluída em publicações não específicas que mencionam araras recentemente extintas, que quase sempre só contam com a arara-cubana Ara tricolor, por ser a única com espécimes preservados conhecidos, e formas subfósseis como A. autocthones. Joseph Forshaw (1977) ressalta que não é seguro nem mesmo associar a espécie ao gênero Ara, devido à ausência de espécimes, tanto taxidermizados quanto ossos, ou mesmo ilustrações. A associação foi feita por dedução, baseando-se no termo “mackaw” (arara) usado por Atwood, onde Clark nota que “sua arara é um membro genuíno do gênero Ara”. Isso, no entanto, não exclui a possibilidade de pertencer a um gênero semelhante que evoluiu no isolamento da ilha.
Dos trechos descrevendo suas características físicas e baseando-se em espécies próximas, algumas reconstruções de sua aparência surgiram, porém em passos mais tímidos que em outras espécies mais populares de aves extintas. A mais conhecida é a presente no livro de David Day “The Doomsday Book of Animals” (1981), que representa uma arara bem distinta das espécies extintas que possuem mais dados descritivos de sua aparência, não tendo a porção de pele nua no rosto normal das grandes araras, esta sendo reduzida a apenas uma porção estreita, mas seguindo o padrão de cor descrito por Atwood. A maioria das reconstruções posteriores são baseadas nesta figura. Outras espécies obscuras com história semelhante são retratadas, como Ara erythrocephalus da Jamaica, que também é dita ter penas verdes e amarelas, mas com a cabeça de cor vermelha. As cores descritas na arara de Atwood e as observações em espécies viventes sugerem um padrão semelhante ao encontrado na arara-canindé Ara ararauna e talvez também em A. martinicus (outra espécie hipotética da ilha vizinha de Martinica), com o azul sendo substituído pelo verde. Também relatada na Jamaica, mas não creditável pela maioria das fontes, é A. erythrurus, dita semelhante a A. ararauna, mas com cauda inteiramente vermelha. Uma reconstrução feito pelo pesquisador e artista Julian Hume, expert no assunto de aves e outras espécies recentemente extintas, retrata a arara com cores nesse padrão, mas não tendo o vermelho na porção de pele nua no rosto, e sim nas penas da testa. Não tenho conhecimento sobre o porquê de retrata-la assim, mas considerando que a porção facial avermelhada, geralmente vista como um caractere distinto de A. atwoodi, pode ser apenas excitação como observado em A. ambiguus, A. militaris e A. rubrogenys, a representação pode ser da ave numa situação “calma”. Ambas A. ararauna e A. glaucogularis (as araras de cor azul e amarela) podem apresentar avermelhamento em suas faces, sendo mais evidente na última, então se A. atwoodi for mesmo uma espécie próxima, essa característica pode ter sido ainda mais intensa nesta espécie. Uma coloração que lembra a descrita por Atwood é encontrada no mercado de animais de estimação nos híbridos Catalina (A. ararauna x A. macao) e Harlequin (A. ararauna x A. chloropterus), onde as costas são verdes e o ventre varia de tons de amarelo ao laranja claro.
Enquanto eu vejo evidências suficientes para declarar a existência de uma forma diferente de arara que outrora habitou Dominica, sua real aparência permanecerá um mistério até que novas evidências venham à tona, sejam elas relatos perdidos ou ossos subfósseis.
Referências:
Atwood, T. 1791: The History of the Island of Dominica. London: Frank Cass and Co.
BirdLife International (2011) Species factsheet: Ara atwoodi. Disponível on-line em: < www.birdlife.org/datazone/speciesfactsheet.php?id=30080>. Acessado em 6 de dezembro de 2011.
Clark, A. H. 1908. The Macaw of Dominica Auk, 25, 309-311
Forshaw, J. M. & Cooper, W. T. 1977: Parrots of the World. T.F.H. Publications, Inc. New Jersey.
Fuller, E. 1987: Extinct Birds. Facts on Files Publications. New York.
Maas, P. H. J. 2007: Dominican Green-and-Yellow Macaw. In: TSEW. The Sixth Extinction Website. Disponível on-line em: <www.petermaas.nl/extinct/speciesinfo/dominicanmacaw.htm>. Acessado em 6 de dezembro de 2011.
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