Arquivo do mês: dezembro 2011

A arara de Dominica

por Rafael Nascimento

Aves falantes e de cores exuberantes sempre exerceram forte fascínio no ser humano, e comigo não poderia ser diferente. Além disso, a curiosidade que algo raro ou perdido desperta é um fator importante para definir um tema de interesse para alguém. A combinação desses dois fatores é a fundação que sustenta um grande interesse de minha parte nas espécies de psitacídeos extintas, principalmente aquelas com pouca evidência de sua existência duvidosa. Diversos psitacídeos habitantes de paraísos insulares foram extintos nos últimos séculos, principalmente devido a caça para consumo, o comércio de espécimes em cativeiro e a destruição de seu habitat. Neste artigo eu irei falar sobre uma espécie que é dita ter habitado a ilha de Dominica, nas Antilhas Menores (Caribe).

Dominica foi inicialmente habitada pelos índios caribes e depois colonizada por franceses e ingleses. A caça por parte dos indígenas é geralmente sustentável, não representando grande ameaça para a espécie. A colonização europeia, no entanto, provou-se devastadora, um cenário comum não apenas nessas ilhas, mas em diversos outros pontos do planeta.

Uma floresta em Dominica. Foto de Dirk.heldmaier, da Wikipedia.

Uma floresta em Dominica. Foto de Dirk.heldmaier, da Wikipedia.

A arara-verde-e-amarela-dominicana (também chamada de arara-de-Atwood ou simplesmente arara-dominicana), Ara atwoodi, é conhecida apenas pelo relato de Thomas Atwood. Em sua obra “The history of the island of Dominica. : Containing a description of its situation, extent, climate, mountains, rivers, natural productions, &c. &c. Together with an account of the civil government, trade, laws, customs, and manners, of the different inhabitants of that island. Its conquest by the French, and restoration to the British dominions” de 1791, Atwood descreve a fauna local, da qual seus elementos podem ser associados às espécies conhecidas da região, com a exceção de um tipo de psitacídeo não mais encontrado ali e que difere-se dos outros que são encontrados na ilha (Amazona arausiaca e A. imperialis, que Atwood provavelmente considerou uma única espécie em sua descrição) ou de qualquer outra parte do planeta. A seguir o trecho descritivo traduzido para o português: “A arara é do tipo do papagaio, mas maior que o papagaio comum, e faz um barulho mais desagradável e áspero. Estão em grande quantidade, assim como são os papagaios nesta ilha; ambos têm uma plumagem deliciosamente verde e amarela, com substancia carnosa cor escarlate do ouvido até a base do bico, desta cor sendo também as penas primárias das suas asas e caudas. Reproduzem-se no topo das árvores mais altas, onde se alimentam de grande quantidade de frutas juntas; e são facilmente descobertas por seu som tagarelante alto, que a distância lembra vozes humanas. As araras não podem ser ensinadas a articular palavras; mas os papagaios desta terra podem, tomando os esforços com eles quando são capturados jovens. A carne de ambos é consumida, mas sendo bastante gordurosa, ela diminui ao ser assada, e fica seca e insípida ao ser comida; por essa razão, são usados principalmente para fazer sopa, que é considerada bem nutritiva.

A descrição de Atwood presente na obra “The History of the Island of Dominica”, 1791.

A descrição de Atwood presente na obra “The History of the Island of Dominica”, 1791.

Acredita-se que se tornou extinta no final do século XVIII ou no começo do XIX. Já que não existe nenhuma espécie de arara vivente de cor verde e amarela (excluindo híbridos), Austin Hobart Clark assumiu que a ave do relato pertencia a uma espécie ainda desconhecida pela ciência, incluindo-a primeiramente em Ara guadeloupensis (que é dita ter habitado a ilha vizinha de Guadalupe). Com a descoberta do relato de Atwood foi considerada distinta, recebendo o status de espécie em 1908.

Considerada hipotética pela maioria dos autores, Ara atwoodi geralmente não é incluída em publicações não específicas que mencionam araras recentemente extintas, que quase sempre só contam com a arara-cubana Ara tricolor, por ser a única com espécimes preservados conhecidos, e formas subfósseis como A. autocthones. Joseph Forshaw (1977) ressalta que não é seguro nem mesmo associar a espécie ao gênero Ara, devido à ausência de espécimes, tanto taxidermizados quanto ossos, ou mesmo ilustrações. A associação foi feita por dedução, baseando-se no termo “mackaw” (arara) usado por Atwood, onde Clark nota que “sua arara é um membro genuíno do gênero Ara”. Isso, no entanto, não exclui a possibilidade de pertencer a um gênero semelhante que evoluiu no isolamento da ilha.

Reconstrução seguindo a figura publicada no livro de David Day “The Doomsday Book of Animals”. Imagem de Rafael Nascimento, 2009.

Reconstrução seguindo a figura publicada no livro de David Day “The Doomsday Book of Animals”. Imagem de Rafael Nascimento, 2009.

Dos trechos descrevendo suas características físicas e baseando-se em espécies próximas, algumas reconstruções de sua aparência surgiram, porém em passos mais tímidos que em outras espécies mais populares de aves extintas. A mais conhecida é a presente no livro de David Day “The Doomsday Book of Animals” (1981), que representa uma arara bem distinta das espécies extintas que possuem mais dados descritivos de sua aparência, não tendo a porção de pele nua no rosto normal das grandes araras, esta sendo reduzida a apenas uma porção estreita, mas seguindo o padrão de cor descrito por Atwood. A maioria das reconstruções posteriores são baseadas nesta figura. Outras espécies obscuras com história semelhante são retratadas, como Ara erythrocephalus da Jamaica, que também é dita ter penas verdes e amarelas, mas com a cabeça de cor vermelha. As cores descritas na arara de Atwood e as observações em espécies viventes sugerem um padrão semelhante ao encontrado na arara-canindé Ara ararauna e talvez também em A. martinicus (outra espécie hipotética da ilha vizinha de Martinica), com o azul sendo substituído pelo verde. Também relatada na Jamaica, mas não creditável pela maioria das fontes, é A. erythrurus, dita semelhante a A. ararauna, mas com cauda inteiramente vermelha. Uma reconstrução feito pelo pesquisador e artista Julian Hume, expert no assunto de aves e outras espécies recentemente extintas, retrata a arara com cores nesse padrão, mas não  tendo o vermelho na porção de pele nua no rosto, e sim nas penas da testa. Não tenho conhecimento sobre o porquê de retrata-la assim, mas considerando que a porção facial avermelhada, geralmente vista como um caractere distinto de A. atwoodi, pode ser apenas excitação como observado em A. ambiguus, A. militaris e A. rubrogenys, a representação pode ser da ave numa situação “calma”. Ambas A. ararauna e A. glaucogularis (as araras de cor azul e amarela) podem apresentar avermelhamento em suas faces, sendo mais evidente na última, então se A. atwoodi for mesmo uma espécie próxima, essa característica pode ter sido ainda mais intensa nesta espécie. Uma coloração que lembra a descrita por Atwood é encontrada no mercado de animais de estimação nos híbridos Catalina (A. ararauna x A. macao) e Harlequin (A. ararauna x A. chloropterus), onde as costas são verdes e o ventre varia de tons de amarelo ao laranja claro.

Fiz esta reconstrução seguindo a teoria que A. atwoodi é um parente próximo de A. ararauna. Alguns elementos, como a porção de penas pretas abaixo do bico, são especulativos.

Fiz esta reconstrução seguindo a teoria que A. atwoodi é um parente próximo de A. ararauna. Alguns elementos, como a porção de penas pretas abaixo do bico, são especulativos.

Enquanto eu vejo evidências suficientes para declarar a existência de uma forma diferente de arara que outrora habitou Dominica, sua real aparência permanecerá um mistério até que novas evidências venham à tona, sejam elas relatos perdidos ou ossos subfósseis.

Referências:

Atwood, T. 1791: The History of the Island of Dominica. London: Frank Cass and Co.

BirdLife International (2011) Species factsheet: Ara atwoodi. Disponível on-line em: < www.birdlife.org/datazone/speciesfactsheet.php?id=30080>.  Acessado em 6 de dezembro de 2011.

Clark, A. H. 1908. The Macaw of Dominica Auk, 25, 309-311

Forshaw, J. M. & Cooper, W. T. 1977: Parrots of the World. T.F.H. Publications, Inc. New Jersey.

Fuller, E. 1987: Extinct Birds. Facts on Files Publications. New York.

Maas, P. H. J. 2007: Dominican Green-and-Yellow Macaw. In: TSEW. The Sixth Extinction Website. Disponível on-line em: <www.petermaas.nl/extinct/speciesinfo/dominicanmacaw.htm>. Acessado em 6 de dezembro de 2011.

Many-feathers. Catalina Macaw. Disponível on-line em: < www.many-feathers.com/Catalina-Macaw.htm>. Acessado em 6 de dezembro de 2011.

Rothschild, W. 1907: Extinct Birds. Hutchison, London.

Williams, M. I. & Steadman, D. V. 2001: The historic and prehistoric distribution of parrots (Psittacidae) in the West Indies. Pp 175-489 in Biogeography of the West Indies: patterns and perspectives. 2nd ed. (Woods, C. A. & F. E. Sergile, eds.) Boca Raton, FL: CRC Press.

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A síndrome do dinossauro de cauda rígida

por Carlos Augusto Chamarelli

Olá pessoal, PK aqui, o que significa que é hora de uma boa e velha crítica paleoartística e contestação de ideias atuais! Então sigam o tópico de hoje: caudas de dinossauros.

Por muito tempo, desde sua descrição formal na metade do século XIX, acreditava-se que os dinossauros arrastavam suas caudas da mesma forma que os répteis, já que répteis são tidos como letárgicos e portanto seria o mesmo com dinossauros, por que eram répteis. Pelo menos assim era o pensamento da época até por volta dos anos 70 quando a “renascença dos dinossauros” entrou em cena, introduzindo novas idéias baseadas nos estudos dos fósseis, e que substituiu a imagem dos répteis gigantes vagarosos e moradores de pântanos para a de animais ativos e de sangue quente.

Jamais se esqueçam do Brontosaurus.

Jamais se esqueçam do Brontosaurus. Pintura de um desatualizado Apatosaurus por Zdenek Burian.

E considerando nosso tópico, a mais importante dessas mudanças é de que eles agora possuíam caudas erguidas acima do chão. Mas as coisas a partir desse ponto foram colina abaixo: os dinossauros começaram a ser ilustrados com caudas cada vez mais elevadas até o ponto em que, aproximadamente nos últimos 10 anos, dinossauros sempre são mostrados com caudas completamente paralelas ao chão e por vezes quase apontando para cima! Pessoalmente, eu estou convencido de que essa ideia é algo que os ilustradores – tanto amadores quanto profissionais – simplesmente entenderam de forma equivocada. Em outras palavras: embora dinossauros pudessem manter suas caudas paralelas ao chão, eles provavelmente não o fariam o tempo inteiro.

Um fator importante sobre dinossauros que eu tenho a ligeira sensação de que alguns artistas deixam passar, ou simplesmente ignoram em favor de um efeito mais dramático, é de que dinossauros eram animais da mesma forma que os que vivem hoje em dia, e como tal, eles certamente ficariam cansados de tempos em tempos. Entenda: não existe sequer um animal no mundo que mantenha qualquer um de seus membros em uma certa posição por muito tempo, e é ilógico pensar que dinossauros seriam uma exceção. Manter suas caudas elevadas em uma postura horizontal por tanto tempo como sugerido por tais reconstruções seria decididamente exaustivo. Portanto parece ser razoável concluir que os dinossauros, pelo menos em alguns momentos, tinham suas caudas caídas e relaxadas.
Rafael e eu discutimos essa possibilidade, e ele me lembrou de um importante detalhe: alguns dinossauros foram encontrados com tendões fossilizados em suas caudas. Naturalmente tive que investigar e analisar se a minha ideia teria algum fundo de verdade. Uma dessas evidências é encontrada no primeiro fóssil documentado de Corythosaurus, seu holótipo, descoberto por Barnum Brown em 1912, o que pra mim é perfeita já que ornitópodes são os piores ofensores da síndrome da cauda rígida dentre os dinossauros.

Convenientemente numa posição semelhante ao nado, que motivou a idéia por anos.

Convenientemente numa posição semelhante ao nado, que motivou a ideia por anos. Holótipo do Corythosaurus por Barnum Brown, 1916.

O holótipo do Corythosaurus é um espécime incrível, não só seu esqueleto foi encontrado praticamente completo, há também impressões de pele que evidenciam a pele escamosa característica da maioria dos dinossauros. Mas dê uma olhada mais de perto na causa; mais especificamente, na base, logo acima do quadril. Essas marcas em linhas retas distintas que você vê foram feitas pelos tendões que, supostamente, auxiliavam o animal a manter sua cauda na mesma posição horizontal vista no esqueleto. Onde isso deixa a ideia de que eles ficavam com a cauda caída? Vá em frente, eu te dou alguns segundos…

Já deu pra notar? Eu posso fazer ficar mais claro com outra imagem:

Pontesuspensassauro.

Pontesuspensassauro. Desenho do holótipo do Corythosaurus por Barnum Brown, 1916.

Como observado, esses tendões estão presentes principalmente na base da cauda. Não apenas isso, mas, a meu ver, considere que as vértebras caudais possuem um formato ligeiramente irregular quando alinhada horizontalmente, mas nem tanto se houvesse uma curva para baixo. Essa mesma característica é observada em outros dinossauros, como saurópodes. O que esse fóssil aparenta sugerir é de que os tendões apenas auxiliariam o Corythosaurus a manter a primeira metade de sua cauda elevada. Para qual vantagem seria? Para responder essa questão devemos entender melhor como os outros tipos de dinossauros utilizam suas respectivas caudas e o quanto é possível inferir dessas comparações.

Caudas são primariamente usadas para o equilíbrio, e em alguns animais podem servir como armas, enquanto outros as utilizam para chamar a atenção de potenciais parceiros ou sinalizar membros de um bando, e outros até a usam para se locomover melhor em árvores ou na água. Nos casos em que o animal não parece ter nenhum uso em especial para elas, o que normalmente acontece é que a cauda tem tão pouco impacto no estilo de vida do animal que ela se degenera com o passar das gerações e resultam em tocos ou desaparecimento quase completo, como aconteceu com o ser humano. Dinossauros, no geral, tinham caudas grandes, sendo uma de suas características mais notáveis que os diferem de qualquer outro animal de grande porte atual – com exceção é claro das aves e dinossauros semelhantes que não eram exatamente aves, como o pequeno Epidexipteryx; neste caso houve uma troca, desfavorecendo uma cauda óssea e a substituindo por uma cauda penada mais leve.

Eu lembro da vez que vi um criacionista afirmando que as penas em fósseis de dinossauros assim eram falsificações feitas por artistas. Foi triste e hilário.

Eu lembro da vez que vi um criacionista afirmando que as penas em fósseis de dinossauros assim eram falsificações feitas por artistas. Foi triste e hilário. Holótipo do Epidexipteryx. Foto de National Geographic.

Em dinossauros de armadura – anquilossauros, nodossauros e estegossauros -, com seu perfil atarracado e pernas fortes, ter uma cauda para se equilibrar não é necessário, mas ainda sim eles possuíam caudas bem desenvolvidas por um único motivo: eram armas mortais. Estegossauros possuíam espigões, nodossauros possuíam fileiras de placas afiadas e anquilossauros possuíam uma massa óssea na ponta que formava uma formidável arma contra predadores.

Eles não eram muito bons em martelar pregous pois destruiam a parede toda.

Eles não eram muito bons em martelar pregos pois destruíam a parede toda. Detalhe da cauda de um Euoplocephalus. Foto por Ghedoghedo. Extraído de wikipedia.org

Saurópodes, pelo menos os que não possuíam pescoços de comprimentos extremos, não necessitavam de caudas tão longas para balanceá-los; seu torso era o suficiente. Estes então estariam livres para usá-las como armas já que não poderiam afastar predadores apenas com seu tamanho, e de fato, alguns saurópodes como o Diplodocus tinham caudas extremamente compridas que terminavam em ossos finos que podiam ser usados como um chicote, e o Shunosaurus da China possuía uma clava não tão diferente da dos anquilossauros. Ambos exemplos, embora muito maiores do que qualquer animal terrestre atual, eram anões para os padrões dos saurópodes.

Ou no caso o Spinophorosaurus, q é quase igual ao Shunosaurus.

Ou no caso o Spinophorosaurus, q é quase igual ao Shunosaurus. Remes K, Ortega F, Fierro I, Joger U, Kosma R, et al. (2009)

Na mesma lógica, os braquiossauros possuíam pernas dianteiras muito maiores que as traseiras, suportando um longo pescoço que permanecia quase completamente vertical, mas possuíam caudas muito curtas em comparação aos outros saurópodes. Tão curtas de fato que não me surpreenderia se formas com caudas ainda menores aparecessem se estes tivessem continuado a existir por mais tempo.

Lagarto braço, realmente.

Lagarto braço, realmente. Brachiosaurus brancai (agora Giraffatitan brancai) por Paul Olsen, 1988

Os exemplos mais estranhos pertencem aos ceratopsianos. Os ceratopsianos maiores que dominavam a América do Norte no final do Cretáceo são conhecidos por grandes escudos ósseos, longos chifres e corpos robustos… Além de uma cauda patética. Da mesma forma que os dinossauros de armadura, os ceratopsianos possuíam uma constituição mais robusta, mas diferentes deles suas caudas são tão curtas e finas que é difícil imaginar que elas fossem usadas para defesa ou contrabalancear seus crânios – o que é estranho já que estes parecem ter sido bem pesados apesar das fenestras em seus escudos, que diminuíam o peso desses adornos. Neste caso é possível que de fato a cauda tivesse um uso tão superficial que estaria em processo de atrofia.

Ainda mais estranhos são os paquicefalossauros. Estes dinossauros com parentesco com os ceratopsianos são conhecidos por seus crânios espessos que utilizavam em batalhas de cabeçadas (isso mesmo. Eu abordarei esse tópico em outro artigo), mas outra característica peculiar desse grupo são suas caudas, cobertas por uma rede de tendões entrelaçados na ponta, o oposto do que acontece nos dinossauros ornitísquios, mas semelhante ao que é visto em alguns tipos de terópodes, como os dromeossauros. Neste caso, a cauda incrivelmente rígida que essa estruturação formava evidencia que os paquicefalossauros favoreciam a agilidade.

Com estes pontos em consideração, parece razoável concluir que os ornitópodes tal como o Corythosaurus utilizavam caudas para se equilibrar, mas apenas quando estes se locomoviam em postura bípede. Suas pernas dianteiras eram finas demais para suportar o estresse que uma locomoção em alta velocidade em postura quadrúpede causaria. Visto que estes dinossauros carecem de defesas e tamanho avantajado, sua única chance contra predadores era de fato fugir, e diferente de outros os ornitópodes eram capazes de se locomover tanto numa postura bípede quanto numa postura quadrúpede.

Um Corythosaurus pastando as samambaias rasteiras e as folhas das árvores permaneceria com sua cauda caída, sem a necessidade de se equilibrar enquanto permanecia nas quatro patas; ao menor sinal de perigo eles adotariam uma postura bípede e utilizariam sua cauda para manter o equilíbrio durante a fuga, essencialmente funcionando mais como um terópode do que como um ceratopsiano, por assim dizer. Já afastado do perigo, os tendões relaxariam e sua cauda voltaria à posição caída, o animal provavelmente exausto.

corytho

Corythosaurus em posição relaxada (cima) e em fuga (baixo). Agradecimentos a Rafael por ter coragem em ilustrar minha idéia.

Adicionalmente, dinossauros herbívoros são conhecidos por adaptações que amplificavam sua capacidade de digerir matéria vegetal: o formato de sua bacia permitia intestinos mais extensos a fim de aproveitar o máximo do que consumiam, e ornitópodes representavam as formais mais avançadas desse modelo. De fato, seu trato intestinal parecia se estender um pouco mais na cauda do que a maioria dos dinossauros, embora provavelmente não fosse uma adição tão drástica, com certeza era bem vinda. É possível que os tendões acima da bacia também erguessem a estrutura da cauda o suficiente para dar espaço para essa expansão, mas isso é um pouco mais difícil de averiguar já que tecidos moles são um pouco mais difíceis de comparar apenas com fósseis.

Em conclusão, dinossauros possuíam caudas em vários formatos para vários usos, e só por que eles possuem tendões na cauda e sangue quente não significa que eles possuam uma barra de ferro como cauda. Embora o Corythosaurus tenha sido usado como o ponto inicial para essa idéia, é possível que outros dinossauros caíssem nessa categoria. Portanto se você ver uma ilustração de dinossauro de qualquer tipo passeando e dito dinossauro o fizer com sua cauda completamente paralela ao chão, você tem a minha permissão para gritar “ERRADO!”, pois o dinossauro provavelmente está cansado de ficar de cauda erguida.

Espero que tenham gostado desse artigo; quaisquer dúvidas ou comentários eu farei o possível para responder. Até a próxima!

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Referências e material adicional:

Leonardo, the mummified dinosaur. Disponível online em: : <www.youtube.com/watch?v=ihifMrV3-pY>. Acessado em 1º de dezembro de 2011.

Paul, G. S. et al. 2010: The Princeton Field Guide to Dinosaurs. Princeton University Press.

Wikipedia. Corythosaurus. Disponível online em: : <en.wikipedia.org/wiki/Corythosaurus>. Acessado em 1º de dezembro de 2011.

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Uma breve história dos reinos da vida

por Piter Kehoma Boll

Desde tempos antigos, os seres vivos são classificados como plantas ou animais e Lineu manteve este sistema em sua grande obra Systema Naturae no século XVIII, onde ele dividiu a natureza em três reinos: Regnum Animale (reino animal), Regnum Vegetabile (reino vegetal) e Regnum Lapideum (reino mineral). Esse sistema não pretendia refletir relações naturais entre organismos vivos, visto que Lineu era cristão e acreditava que todas as  formas de vida foram criadas separadamente por Deus da forma como elas são hoje, mas foi feita de forma a tornar o estudo de seres vivos mais fácil.

Lineu e os dois reinos da vida. Pintura por Alexander Roslin, 1775.

Lineu e os dois reinos da vida. Pintura por Alexander Roslin, 1775.

Quando os primeiros organismos unicelulares foram descobertos por Antonie van Leeuwenhoek em 1674, eles foram colocados em um dos dois reinos de seres vivos de acordo com suas características. Isso permaneceu assim até 1866, quando Ernst Haeckel propôs um terceiro reino da vida, o qual ele chamou de Protista, e inclui todos os organismos unicelulares nele.

Haeckel e os três reinos. Foto pela Linnean Society, 1908.

Haeckel e os três reinos. Foto pela Linnean Society, 1908.

Mais tarde, o desenvolvimento de microscopia óptica e eletrônica mostrou diferenças importantes em células, principalmente de acordo com a presença ou ausência de núcleos distintos, levando Édouard Chatton a distinguir organismos em procariontes (sem núcleo distinto) e eucariontes (com núcleo distinto) em um artigo de 1925. Baseado nisso, Copeland propôs um sistema de quatro reinos, movendo organismos procariontes, bactérias e algas verde-azuladas, para o reino Monera. A ideia de um ranking acima de reino veio desta época e assim a vida foi separada em dois impérios ou super-reinos, Prokaryota (Monera) e Eukaryota (Protista, Plantae, Animalia).

Dois impérios e quatro reinos

Dois impérios e quatro reinos

Desde a época de Haeckel, a posição dos fungos não era bem estabelecida, oscilando entre os reinos Protista e Plantae. Assim, em 1969, Robert Whittaker propôs um quinto reino para incluí-los, o chamado Reino Fungi. Este sistema de cinco reinos permaneceu constante por algum tempo; Monera eram procariontes; Plantae eram multicelulares autótrofos (produtores); Animais, multicelulares consumidores; e Fungi, multicelulares saprótrofos (decompositores). Protista era como um cesto de lixo, onde tudo que não se encaixava nos outros quatro reinos era colocado.

Whittaker e os cinco reinos. Fonte da fotografia: National Academy of Sciences: Robert H. Whittaker (1920—1980) – A Biographical Memoir por Walter E. Westman, Robrt K. Peet and Gene E. Likens.

Whittaker e os cinco reinos. Fonte da fotografia: National Academy of Sciences: Robert H. Whittaker (1920—1980) – A Biographical Memoir por Walter E. Westman, Robrt K. Peet and Gene E. Likens.

Com o advento de estudos moleculares perto de 1970, diferenças significativas foram encontradas entre os procariontes, relacionadas, por exemplo, à estrutura da membrana celular. Baseado nestes estudos, Carl Woese dividiu Prokaryota em Eubacteria e Archaeobacteria, enfatizando que as diferenças entre estes grupos eram tão grandes quanto aquelas entre eles e os eucariontes. Isso posteriormente levou a uma nova classificação da vida em três domínios: Bacteria, Archaea e Eukarya.

Woese e os três domínios. Foto de News Bureau – University of Illinois, dada por IGB (Institute for Genomic Biology).

Woese e os três domínios. Foto de News Bureau – University of Illinois, dada por IGB (Institute for Genomic Biology).

Pelo final do século XX, Thomas Cavalier-Smith, após um intenso estudo com protistas, criou um novo modelo com seis reinos. Bacteria e Archaea foram postas no mesmo reino, chamado Bacteria. Protistas foram divididos em dois reinos: (1) Chromista, incluindo Alveolata (Apicomplexa, protozoários parasitos como Plasmodium; Ciliophora, ciliados; e Dinoflagellata), Heterokonta ou Stramenopila (algas marrons, algas douradas, diatomáceas, oomicetos etc) e Rhizaria (como Radiolaria e Foraminifera), entre outros; e (2) Protozoa, incluindo Amoebozoa (amebas e mixomicetos), Choanozoa (coanoflagelados) e um conjunto de protozoários flagelados chamados Excavata. Glaucófitas e algas verdes e vermelhas foram classificadas dentro do reino Plantae.

Cavalier-Smith e seus dois novos reinos. Foto do Departamento de Zoologia - Universidade de Oxford.

Cavalier-Smith e seus dois novos reinos. Foto do Departamento de Zoologia – Universidade de Oxford.

A partir do século XXI, uma abordagem filogenética para classificar os seres vivos ganhou força. Após muitas análises moleculares usando genes diferentes, as relações evolucionárias reais entre eucariontes ainda não é clara. Contudo os seguintes grupos são suportados pela maioria das árvores filogenéticas:

(1) Archaeplastida (ou Plantae): glaucófitas (Glaucophyta), algas vermelhas (Rhodophyta), e algas e plantas verdes (Viridiplantae);

(2) Chromalveolata: Stramenopila ou Heterkonta, haptófita (Haptophytes), criptomônadas (Cryptophyta) e Alveolata;

(3) Rhizaria: Foraminifera, Radiolaria e alguns protozoários ameboides;

(4) Amoebozoa: amebas e mixomicetos;

(5) Opisthokonta: animais, fungos, coanoflagelados;

(6) Excavata: muitos protozoários flagelados. Este grupo, no entanto, não é tão bem suportado quanto os outros.

Os atuais (talvez nem tão) bem estabelecidos grupos de organismos

Os atuais (talvez nem tão) bem estabelecidos grupos de organismos

Assim, como podemos ver, o caso dos eucariontes ainda está para ser resolvido, mas esperamos que estudos moleculares nos ajudarão a entender melhor como a árvore da vida se ramifica.

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Baldauf, S. L. et al. 2000: A Kingdom-Level Phylogeny of Eukaryotes Based on Combined Protein Data. Science 290, 972-977.

Cavalier-Smith, T. 2004: Only six kingdoms of life. Proceedings of the Royal Society B 271, 1275-1262.

Rogozin, I. B. et al. 2009: Analysis of Rare Genomic Changes Does Not Support the Unikont–Bikont Phylogeny and Suggests Cyanobacterial Symbiosis as the Point of Primary Radiation of Eukaryotes. Genome, Biology and Evolution 1, 99-113.

Wikipedia. Kingdom (Biology). Disponível online em: <en.wikipedia.org/wiki/Kingdom_(biology)>. Acesso em 5 de dezembro de 2011.

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Espécies exóticas: elas são sempre um problema?

por Piter Kehoma Boll

Nas últimas décadas, espécies não nativas se tornaram vítimas de discriminação por parte de conservacionistas, legisladores, bem como entre cientistas, sendo condenadas por levarem espécies nativas à extinção e por “poluírem” ambientes naturais. No entanto abordagens de manejo atuais precisam considerar que sistemas naturais estão se alterando sem volta graças a mudanças climáticas, urbanização, eutrofização e outras mudanças resultantes do uso da terra.

Certamente muitas espécies introduzidas por humanos levaram a extinções e reduziram serviços ecológicos valiosos. A malária aviária, introduzida no Havaí com espécies de aves não nativas trazidas por europeus, matou mais de metade das espécies nativas. O mexilhão-zebra Dreissena polymorpha, originalmente nativo da Rússia e introduzido na América do Norte, e o mexilhão-dourado Limnoperna fortunei, nativo do sul da Ásia e introduzido na América do Sul, se tornaram um grande problema por bloquearem encanamentos de água.

Mexilhão-zebra, uma espécie invasiva na América do Norte. Foto por GerardM, da Wikipedia.

Mexilhão-zebra, uma espécie invasiva na América do Norte. Foto por GerardM, da Wikipedia.

Mas a maioria das afirmações sobre o papel destrutivo de espécies invasoras é baseado em Wilcove et al. (1998) que afirma que espécies invasoras são a segunda maior ameaça a espécies ameaçadas depois da perda de habitat, mas isso é pouco suportado por dados. Na verdade, em muitos casos a introdução de espécies exóticas aumentou a riqueza de espécies em uma região.

Os efeitos de uma espécie invasora que não causa problemas agora pode se tornar um perigo no futuro, mas o mesmo se aplica a espécies nativas. A condição de ser nativo não é sinal de um efeito necessariamente positivo. O inseto suspeito de matar mais árvores do que qualquer outro na América do Norte é o besouro nativo Dendroctonus ponderosae. Muitas espécies de árvores frutíferas introduzidas se tornaram fontes importantes de alimentação para aves locais, atraindo-as e até mesmo auxiliando na dispersão de espécies nativas.

A ideia não é defender espécies invasoras em todos os casos, mas incitar uma abordagem mais analítica da situação. Em vez de condenar cegamente uma espécie só por não ser nativa, planos de manejo precisam ser baseados em evidências empíricas e não em afirmações sem fundamento.

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Referência:

Davis et al. 2001: Don’t judge species on their origins. Nature, 474, 153-154.

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Natureza Terráquea!

tangaraseledon

Bem-vindo a bordo! Apresentamos este blog com a intenção de servir como um diário sobre a vida em nosso planeta. Enquanto (ainda) não somos especialistas neste campo, nosso entusiasmo e interesse nas diferentes formas de vida neste mundo vieram para trazer textos e comentários em assuntos novos ou antigos.

Este blog veio da ideia de entrar no blogroll de textos científicos e reviver nossos antigos sites no assunto: Biodata por Rafael e Biolista por Piter. O blog serve como irmão para o Poisor Tristesi, assim como para discutir as representações tanto da vida extinta quanto a atual na arte.

Nos tornamos amigos em 2004 e a ideia de fazer um blog deste gênero veio em 2011, inicialmente em uma versão em inglês, que pode ser conferida aqui.

Apresentando os amigos e editores deste blog:
Carlos Augusto Chamarelli
Piter Kehoma Boll
Rafael Silva do Nascimento

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