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Revelados os gostos da língua-de-vaca! Planária gigante é encontrada comendo caracol gigante!

por Piter Kehoma Boll

Polycladus gayi é uma planária terrestre icônica encontrada no Chile e conhecida localmente como lengua de vaca (língua de vaca). Apesar de ser a maior planária terrestre do chile e uma das primeiras planárias terrestres descritas, ainda em 1845, não sabemos quase nada de sua ecologia.

Mas as coisas estão mudando! Nos últimos meses, dois espécimes foram encontrados se alimentando na na natureza e, em ambos os casos, a presa era a mesma espécie, o caracol negro gigante, Macrocyclis peruvianus, o maior caracol do Chile. Ambas as observações ocorreram em áreas de proteção do Chile, Parque Nacional Villarrica e Parque Nacional Alerce Costero, e foram registradas por pessoas não especialistas visitando as áreas. Mais uma descoberta importante que aconteceu graças à ciência cidadã!

A planária terrestre Polycladus gayi agarrada ao caracol Macrocyclis peruvianus e se banqueteando em sua carne. Foto de Yerko Lloncón.*

Após quase dois séculos desde que a planária P. gayi foi descoberta, finalmente sabemos algo sobre sua posição na cadeia alimentar! E, claro, isso também nos ajuda a ver o caracol M. peruvianus de uma nova perspectiva, já que esse também parece ser o primeiro registro de um de seus predadores! Apesar de caracóis serem um item comum na dieta de planárias terrestres, nem todas as espécies se alimentam deles, e não podemos supor que ambos os grupos estão sempre diretamente conectados na teia alimentar.

Vem ver como a planária ficou gordinha depois de comer o caracol inteiro!

Ainda há muito para descobrir sobre essas duas criaturas chilenas tão únicas, e a parceria entre pesquisadores e o público em geral é uma forma importante de acelerar o acúmulo de conhecimento sobre as criaturas ao nosso redor!


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Referências:

Boll PK, Lloncón Y, Almendras D (2023) Records of the land planarian Polycladus gayi (Tricladida, Geoplanidae) preying on black snails Macrocyclis peruvianus (Gastropoda, Macrocyclidae). Austral Ecology. https://doi.org/10.1111/aec.13430


*Creative Commons License Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons de Atribuição Não Comercial e Compartilhamento Igual 4.0 Internacional.

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Arquivado em Comportamento, Ecologia, moluscos, platelmintos

Duas novas planárias-cabeça-de-martelo potencialmente invasoras se juntam ao time durante a pandemia

por Piter Kehoma Boll

As planárias-cabeça-de-martelo formam um grupo fascinante de planárias terrestres que é nativo de Madagascar e do Sul e Sudeste da Ásia. Apesar de sua enorme diversidade nesses lugares, a maior parte do que sabemos delas vem de umas poucas espécie que foram inadvertidamente disseminadas para novas áreas.

Agora duas novas espécies se juntam a este time viajante através de um novo estudo publicado na revista PeerJ por uma equipe liderada pelo Professor Jean-Lou Justine do Muséum National d’Histoire Naturelle, Paris.

A bela e brilhante Humbertium covidum. Foto de Pierre Gros*.

A primeira espécie é uma planária-cabeça-de-martelo completamente preta que foi encontrada em Pyrénées-Atlantiques (França) e Vêneto (Itália). Ela foi chamada Humbertium covidum porque o estudo foi concluído durante o lockdown causado pela pandemia de COVID-19 e como uma homenagem às vítimas da doença. Análises genéticas de seu conteúdo intestinal indicam que ela se alimenta de pequenos caracóis.

A cor azul-esverdeada de Diversibipalium mayottensis. Foto de Laurent Charles.*

A segunda espécie nova tem uma bela iridescência azul-esverdeada sobre sua cor marrom e foi encontrada em Mayotte, uma ilha francesa no Canal de Moçambique entre a África e Madagascar. Ela foi, portanto, adequadamente chamada de Diversibipalium mayottensis. Pela proximidade de Mayotte com Madagascar, esta ilha maior, onde planárias-cabeça-de-martelo são nativas, poderia ser seu local de origem. Outro aspecto interessante desta espécie é que ela forma um grupo irmão com as outras planárias-cabeça-de-martelo das quais temos dados moleculares. Isso poderia significar que ela forma uma linhagem que divergiu a maioria das planárias-cabeça-de-martelo muito tempo atrás.

Os pesquisadores sequenciaram o genoma mitocondrial (mitogenoma) completo das duas novas espécies e de outras três planárias-cabeça-de-martelo invasoras já conhecidas. Isso permitiu à equipe apresentar a primeira filogenia robusta dessas planárias.

Agora precisamos seguir estudando mais planárias-cabeça-de-martelo para conhecer sua história e ir mergulhar fundo em sua diversidade. O que você acha de se juntar a nós, planariologistas?

<small>O mitogenoma completo das duas novas planárias-cabeça-de-martelo. Créditos a Justine et al. (2022).*</small>

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Referência:

Justine JL, Gastineau R, Gros P, Gey D, Ruzzier E, Charles L, Winsor L (2022) Hammerhead flatworms (Platyhelminthes, Geoplanidae, Bipaliinae): mitochondrial genomes and description of two new species from France, Italy, and Mayotte. PeerJ. http://dx.doi.org/10.7717/peerj.12725

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*Creative Commons License Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons de Atribuição 4.0 Internacional.

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Arquivado em platelmintos, vermes, Zoologia

Sexta Selvagem: Paucumara-Foice

por Piter Kehoma Boll

Como planariólogo, eu obviamente amo planárias e as acho criaturas incríveis. Entre as mais de 300 Sextas Selvagens que já tivemos até agora, somente três foram planárias, e todas eram planárias terrestres. Então acho que está mais do que na hora de trazer uma espécie aquática, mas em vez de ir para as mais famosas espécies de água doce, vamos apresentar uma marinha.

Planárias marinhas formam um grupo muito diverso mas pouco estudado. A espécie de hoje se chama Paucumara falcata, que eu decidi apelidar de paucumara-foice. Esta espécie foi descrita só dois anos atrás, em 2019, e é uma das duas espécies no gênero Paucumara.

Todas os espécimes atualmente conhecidos da paucumara-foice foram encontrados nas águas costeiras de Shenzhen, na China. Eles medem cerca de 4 mm de comprimento e 0.5 mm de largura. Eles são, portanto, muito pequenos mesmo de uma perspectiva planariana. O corpo é em sua maioria transparente, com o intestino facilmente visível através da pele, especialmente quando preenchido de alimento. Dois pequenos olhos em formato de rim ficam perto da extremidade anterior, que é meio triangular. Há três faixas branco-amareladas correndo transversalmente através do corpo, uma na extremidade anterior, uma logo atrás dos olhos e uma perto da extremidade posterior. A região entre as duas primeiras faixas branco-amareladas é amarronzada, e uma faixa longitudinal branco-amarelada corre a partir da segunda faixa transversal posteriormente até cerca de um terço do comprimento do corpo, criando uma forma de T. Também há algumas manchas branco-amareladas espalhadas pelo dorso.

Dois espécimes de paucumara-foice. Extraído de Chen et al. (2019).

Pouco é conhecido da ecologia desta espécie, principalmente porque ela foi descoberta apenas recentemente. Contudo ela consegue ser mantida em laboratório, onde grupos de indivíduos podem se alimentar de invertebrados maiores, incluindo planárias maiores.

A coisa mais interessante observada nesta espécie é seu comportamento reprodutivo. No laboratório, um espécime disposto a acasalar aborda um parceiro potencial e começa a “dançar” ao seu lado, balançando a cauda de um lado para o outro e tocando o corpo do parceiro potencial com ela. Quando o verme que foi abordado aceita o convite, ele levanta sua cauda do substrato e expõe seu gonóporo (a abertura genital) e o primeiro verme faz o mesmo. Eles então tocam seus gonóporos e começam a acasalar.

A foice usada para ancorar um animal no outro durante a cópula. Extraído de Chen et al. (2019).

O aparelho copulador masculino da paucumara-foice possui um órgão músculo-parenquimático em forma de foice com um estilete quitinizado na ponta, de onde o nome falcata (“foiçada”). Quando um casal está acasalando, cada um dos envolvidos fura o corpo do outro com sua foice, assim garantindo que eles fiquem ancorados um ao outro durante os cerca de 10 minutos que o acasalamento dura. Depois que os dois trocaram esperma, eles se desconectam mas permanecem juntos e torcem seus corpos um ao redor do outro, formando uma espiral. Por quê? Ninguém sabe… ainda.

Observe-as acasalando e se torcendo numa espiral!

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Referências:

Chen, J.-J., Li, W.-X., Sluys, R., Wu, M.-Q., Wang, L., Li, S.-F., & Wang, A.-T. (2019). Two new species of marine flatworm from southern China facilitate determination of the phylogenetic position of the genus Nerpa Marcus, 1948 and the histochemical structure of the nervous system in the genus Paucumara Sluys, 1989 (Platyhelminthes, Tricladida, Maricola). Zootaxa4568(1), 149–167. https://doi.org/10.11646/zootaxa.4568.1.9

Yang, Y., Li, J.-Y., Sluys, R., Li, W.-X., Li, S.-F., & Wang, A.-T. (2020). Unique mating behavior, and reproductive biology of a simultaneous hermaphroditic marine flatworm (Platyhelminthes, Tricladida, Maricola). Invertebrate Biology139(1), e12282. https://doi.org/10.1111/ivb.12282

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Arquivado em platelmintos, Sexta Selvagem

Sexta Selvagem: Planária-da-Nova-Guiné

por Piter Kehoma Boll

Aprendemos semana passada sobre o caracol-gigante-africano e como ele se espalhou pelo mundo, prejudicando diversos ecossistemas. Pelo começo dos anos 1980, o caracol-gigante-africano era uma praga na ilha de Guam, mas subitamente seus números passaram a cair e a causa identificada foi a introdução acidental de outra espécie na ilha, a Planária-da-Nova-Guiné, Platydemus manokwari.

Planária da Nova Guiné na Indonésia. Foto de Franz Anthony.*

Descoberta nas florestas em torno da cidade de Manokwari, na Nova Guiné, mais precisamente na província de Papua Ocidental, Indonésia, a planária-da-Nova-Guiné era a princípio só mais uma planária terrestre como muitas outras encontradas pelas regiões Australásia e Indo-Malaia. Medindo cerca de 60 mm de comprimento, 7 mm de largura e apenas 2 mm de espessura, a planária-da-Nova-Guiné tem um dorso marrom-escuro, quase preto, com uma fina linha mediana amarela, enquanto o lado ventral tem uma cor bege. Pertencendo à tribo Rhynchodemini de planárias terrestres, ela só tem dois olhos na região anterior e eles são consideravelmente grandes comparados aos olhos de planárias terrestres de outras tribos e subfamílias e possuem mesmo uma lente simples sobre o cálice de pigmento, o que significa que elas provavelmente veem melhor que a maioria das planárias.

Extremidade anterior da planária-da-Nova-Guiné. O olho direito é visível como um ponto preto. Créditos a Justine et al. (2014).**

Como todas, ou a maioria das, planária terrestres, a planária-da-Nova-Guiné é um predador e suas presas favoritas parecem ser caracóis, o que a fez se tornar um método de controle bem-sucedido contra o caracol-gigante-africano em Guam. Devido a este sucesso, a planária-da-Nova-Guiné foi deliberadamente introduzida em Bugsuk, uma pequena filha das Filipinas. Cerca de 20 meses após sua introdução, sua população crescera significativamente e a população do caracol-gigante-africano diminuíra drasticamente.

Um espécime em Guam. Foto de Brenden Holland.*

Durante os anos seguintes, o interesse na planária-da-Nova-Guiné cresceu e a espécie foi introduzida deliberada ou acidentalmente em muitas ilhas do Pacífico. Contudo, lá pelos anos 1990, a situação já se tornara um pesadelo. Uma das áreas mais severamente afetadas foram as ilhas Ogasawara no Japão. Estas ilhas costumavam ter uma fauna de caracóis muito rica, mas 10 anos após a introdução da planária-da-Nova-Guiné, a maioria das espécies havia sido extinta. Contudo, apesar de remover a maioria dos caracóis das ilhas, a população da planária-da-Nova-Guiné continuou grande e logo se descobriu que ela pode se alimentar também de minhocas, nemertinos, tatuzinhos-de-jardim e mesmo de outras planárias terrestres. Sua ameaça, portanto, vai muito além dos caracóis.

Apesar de ter se disseminado através de muitas ilhas do Pacífico, a planária-da-Nova-Guiné permaneceu restrita a esta área do mundo por algum tempo, mas as coisas mudaram em 2014 quando ela foi registrada na França. Somente um ano depois, em 2015, ela foi encontrada no sul dos Estados Unidos e no Caribe. Em 2018 ela foi encontrada na Tailândia e, para piorar as coisas, ela se revelou ser também um hospedeiro do nematódeo parasita Angiostrongylus cantonensis, da mesma forma que o caracol-gigante-africano.

Espécime na Flórida, EUA. Foto de  Luca Catanzaro.*

Não é de se surpreender então que a planária-da-Nova-Guiné também é considerada uma das 100 piores espécies invasoras do mundo. Sua disseminação recente pela Europa e pelas Américas significa que uma nova onda de extinções causada por nossa imprudência está prestes a começar.

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Referências:

Chaisiri, K., Dusitsittipon, S., Panitvong, N., Ketboonlue, T., Nuamtanong, S., Thaenkham, U., Morand, S., & Dekumyoy, P. (2018). Distribution of the newly invasive New Guinea flatworm Platydemus manokwari (Platyhelminthes: Geoplanidae) in Thailand and its potential role as a paratenic host carrying Angiostrongylus malaysiensis larvae. Journal of Helminthology, 1–9. https://doi.org/10.1017/S0022149X18000834

Justine, J.-L., Winsor, L., Gey, D., Gros, P., & Thévenot, J. (2014). The invasive New Guinea flatworm Platydemus manokwari in France, the first record for Europe: Time for action is now. PeerJ2, e297. https://doi.org/10.7717/peerj.297

Justine, J.-L., Winsor, L., Barrière, P., Fanai, C., Gey, D., Han, A. W. K., La Quay-Velázquez, G., Lee, B. P. Y.-H., Lefevre, J.-M., Meyer, J.-Y., Philippart, D., Robinson, D. G., Thévenot, J., & Tsatsia, F. (2015). The invasive land planarian Platydemus manokwari (Platyhelminthes, Geoplanidae): Records from six new localities, including the first in the USA. PeerJ3, e1037. https://doi.org/10.7717/peerj.1037

Kawakatsu, M., Oki, I., Tamura, S., Itô, H., Nagai, Y., Ogura, K., Shimabukuro, S., Ichinohe, F., Katsumata, H., & Kaneda, M. (1993). An extensive occurrence of a land planarian, Platydemus manokwari de Beauchamp, 1962, in the Ryûkyû Islands, Japan (Turbellaria, Tricladida, Terricola). 陸水生物学報 (Biology of Inland Waters)8, 5–14.

Muniappan, R., Duhamel, G., Santiago, R. M., & Acay, D. R. (1986). Giant African snail control in Bugsuk island, Philippines, by Platydemus manokwariOléagineux41(4), 183–186.

Ohbayashi, T., Okochi, I., Sato, H., & Ono, T. (2005). Food habit of Platydemus manokwari De Beauchamp, 1962 (Tricladida: Terrricola: Rhynchodemidae), known as a predatory flatworm of land snails in the Ogasawara (Bonin) Islands, Japan. Applied Entomology and Zoology40(4), 609–614. https://doi.org/10.1303/aez.2005.609

Sugiura, S. (2010). Prey preference and gregarious attacks by the invasive flatworm Platydemus manokwariBiological Invasions12(6), 1499–1507. https://doi.org/10.1007/s10530-009-9562-9

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*Creative Commons License Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons de Atribuição Não Comercial 4.0 Internacional

**Creative Commons License Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons de Atribuição 4.0 Internacional.

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Uma dieta balanceada pode te matar mais cedo… se você for uma planária terrestre

por Piter Kehoma Boll

Há uma coisa que eu deveria fazer mais frequentemente aqui, que é apresentar minha própria pesquisa para os leitores do blog, então hoje farei exatamente isso.

Como vocês devem saber, o grupo de organismos com que trabalho é a família Geoplanidae, comumente conhecidas como planárias terrestres. Aqui no Brasil, o gênero com mais espécies é Obama, do qual falei em posts anteriores. Este gênero se tornou consideravelmente famoso após uma de suas espécies, Obama nungara, se tornar invasora na Europa, o que chamou a atenção do público especialmente por causa do nome curioso do gênero, apesar de ele não ter nada a ver com o ex-presidente dos Estados Unidos.

Enfim, durante meu mestrado, ficou claro que espécies do gênero Obama se alimentam de invertebrados de corpo mole, especialmente lesmas e caracóis, apesar de algumas espécies também se alimentarem de minhocas ou mesmo outras planárias terrestres. Obama nungara, por exemplo, se alimenta dos três grupos, apesar de parecer preferir minhocas.

Um espécime de Obama anthropophila com suas sardas testiculares. Foto minha, Piter K. Boll.*

Um espécie de Obama comum em áreas urbanas do sul do Brasil é Obama anthropophila, cujo nome, significando “amante de humanos” é uma referência a este hábito precisamente. Esta espécie possui uma cor dorsal uniformemente marrom-escura, às vezes manchada pelos testículos maduros aparecendo como manchas escuras na primeira metade do corpo. A dieta desta espécie inclui caracóis, lesmas, nemertíneos e outras planárias terrestres, especialmente do gênero Luteostriata, e mais especialmente da espécie Luteostriata abundans, que ocorre muito comumente em áreas urbanas também.

Assista Obama anthropophila capturando diferentes presas.

Assim eu me perguntei… se O. anthropophila se alimenta de diferentes tipos de invertebrados, isso significa que cada tipo fornece nutrientes diferentes, de forma que uma dieta mista é necessária ou mais benéfica que uma composta de um só tipo de presa? Para averiguar isso, dividi espécimes adultos de O. anthropophila em três grupos, cada um recebendo uma dieta diferente:

Grupo Dela: alimentado apenas com a lesma Deroceras laeve
Grupo Luab: alimentado apenas com a planária Luteostriata abundans
Grupo Mixed: alimentado com ambas as presas de forma alternada

Os resultados não foram o que eu esperava. O grupo Mixed apresentou uma taxa de sobrevivência menor que os grupos com dieta de só uma presa. Outro aspecto interessante foi que o grupo Mixed apresentou uma tendência a passar o dia de receber uma lesma sem comer, comendo apenas as planárias após alguns dias recebendo as presas alternadamente.

Baseado na hipótese de que uma dieta mista é mais nutritiva, eu esperava que o grupo Mixed apresentasse um desempenho melhor, ou ao menos similar ao dos grupos de dieta única se não houvesse aumento no valor nutricional com uma presa adicional. Contudo os resultados indicam que uma dieta mista pode ser ruim para a planária, ao menos se o animal precisa comer algo diferente em cada refeição.

Não sabemos o que causa isso, mas minha ideia é de que talvez diferentes presas demandem diferentes processos metabólicos, como a produção de diferentes enzimas e tal, e ter que resetar seu metabolismo constantemente é muito custoso. Como resultado, o desempenho dos espécimes recebendo tal dieta diminuiu e os animais passam a evitar um dos tipos de alimento porque comer menos é menos perigoso que misturar comida.

Uma Obama anthropophila “grávida” prestes a pôr uma cápsula de ovos. Foto minha, Piter K. Boll.*

Outro aspecto interessante é que planárias recebendo uma dieta mista, mesmo morrendo mais cedo, punham cápsulas de ovos mais pesadas que os grupos de dieta única. Cápsulas de ovos mais pesadas geralmente significam mais embriões ou mais nutriente para os embriões, aumentando o sucesso reprodutivo. Mas como um animal morrendo pode ser melhor se reproduzindo que um animal saudável?

Bem, isso pode estar relacionado à hipótese do investimento terminal. Acredita-se, e é provado em alguns grupos, que um organismo pode aumentar seu investimento em reprodução quando eventos reprodutivos futuros não são esperados, isto é, quando um organismo “se dá conta” de que está prestes a morrer, ele põe todo seu esforço em se reproduzir para garantir que seus genes passem para gerações futuras.

Não podemos ter certeza de nada ainda. Mais estudos são necessários para entender melhor a relação de planárias terrestres com sua comida. O que podemos assegurar é que, assim como Obama nungara, Obama anthropophila pode acabar na Europa ou outro lugar logo porque sua dieta relativamente ampla e sua proximidade com humanos a fazem uma potencial nova espécie a ser acidentalmente espalhada pelo mundo.

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Referência:

Boll PK, Marques D, & Leal-Zanchet AM (2020) Mind the food: Survival, growth and fecundity of a Neotropical land planarian (Platyhelminthes, Geoplanidae) under different diets. Zoology 138: 125722.

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