Arquivo do mês: março 2023

Sexta Selvagem: Cambará-de-cheiro

por Piter Kehoma Boll

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Após quase quatro meses, estou de volta com uma nova Sexta Selvagem! Os últimos tempos foram muito corridos com outras atividades e tive pouco ou nenhum tempo para me dedicar ao blog, mas eu sempre acabo voltando!

Enfim, nosso camaradinha desta sexta é um arbusto lindo mas também um pesadelo, e você deve conhecê-lo, pelo menos se você for de uma região tropical do mundo. Seu nome científico é Lantana camara, e um dos seus principais nomes comuns em português é cambará-de-cheiro.

Formando algo intermediário entre um arbusto e uma trepadeira, o cambará-de-cheiro pode crescer até 2 m de altura se sozinho ou até 6 m se trepar por outra planta. As follhas são largas, ovadas, um tanto ásperas e possuem um cheiro forte quando esmagadas.

Espécime com flores amarelas na Argentina. Foto do usuário Fede y Vani do iNaturalist.

As flores são tubulares, com quatro pétalas, e dispostas em inflorescências. Elas podem ter uma grande variedade de cores, incluindo branco, amarelo, laranja, vermelho e rosa. As flores externas da inflorescência geralmente abrem primeiro e são mais avermelhadas que as do meio, não só por sua localização, mas também por causa da idade porque, após serem polinizadas, as flores mudam de cor para que os polinizadores saibam que não devem mais perder seu tempo nelas e devem procurar flores mais jovens em vez disso. Isso é o mesmo que acontece com a pulmonária-comum, que eu apresentei aqui cerca de meio ano atrás.

Espécime em Taiwan com uma das flores de flores mais típidas, entre amarelo e vermelho. Perceba como as flores externas, mais velhas, são mais vermelhas, e as internas nem estão abertas ainda. Foto do usuário 葉子 do iNaturalist.

Nativo das Américas Central e do Sul, o cambará-de-cheiro se tornou uma planta ornamental popular por causa da beleza de suas flores. Como resultado, ele foi levado a muitos outros países e se tornou uma espécie invasora na Flórida, no Havaí, na Austrália, na Índia e na África tropical. Nessas áreas, ele é frequentemente descrito como uma erva daninha irritante e já foi até chamado de uma das piores plantas invasoras da história. Os principais efeitos negativos causados pela introdução fora de sua área nativa são causados pelo fato de o cambará-de-cheiro ser tóxico a alguns animais e liberar compostos alelopáticos, os quais reduzem o crescimento de outras plantas ao seu redor. Na Austrália, na Índia e na África do Sul, o cambará-de-cheiro foi introduzido cerca de dois séculos atrás e, apesar das medidas agressivas dos governos destes três países para erradicá-lo, ele continuou a se espalhar mais e mais e atualmente cobre cerca de 2 milhões de hectares na África do Sul, 5 milhões na Austrália e 13 milhões na Índia. É um pesadelo real para os ecossistemas locais.

Na Austrália, o cambará-de-cheiro se tornou um inimigo quase tão ruim quanto o capitalismo. Foto de Adam Morris.

Parece que lutar contra essa espécie é uma batalha perdida no mundo inteiro e novas estratégias que se tratem de nos adaptarmos à sua presença são necessários. Se não podemos com ela, juntemo-nos a ela.

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Referências:

Bhagwat, S. A., Breman, E., Thekaekara, T., Thornton, T. F., & Willis, K. J. (2012). A battle lost? Report on two centuries of invasion and management of Lantana camara L. in Australia, India and South Africa. PLoS One7(3), e32407. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0032407

Wikipedia. Lantana camara. Disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/Lantana_camara. Acesso em 16 de março de 2023.

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Arquivado em Botânica, Conservação, Sexta Selvagem

As mudanças climáticas provavelmente devastarão os ecossistemas de cavernas

por Piter Kehoma Boll

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Estamos bem cientes dos efeitos drásticos que o aumento da temperatura média no planeta está tendo e terá sobre os ecossistemas. A acidez dos oceanos está aumentando e causando problemas a espécies com esqueletos de carbonato de cálcio. O derretimento das calotas de gelo polares destroi o habitat de espécies polares e aumenta os níveis dos oceanos, inundando áreas de terra baixas e destruindo ainda mais ecossistemas. Mas esses problemas têm a ver principalmente com espécies que vivem nos oceanos ou na superfície dos continentes.

Cavernas são ecossistemas subterrâneos que abrigam uma diversidade impressionante, incluindo muitas linhagens únicas que foram extintas na superfície muito tempo atrás. Visto que muitas cavernas são pequenas e não diretamente conectadas a outras cavernas, espécies nesses habitats tendem a ser altamente endêmicas. Não é incomum encontrar espécies vivendo numa só caverna com uma população bem pequena. Já apresentei aqui alguns casos assim antes relacionados a planárias.

Mas hoje falaremos de outro carinha de caverna, Proasellus lusitanicus, um pequeno isópode medindo até 8 mm de comprimento que é endêmico do sistema cárstico de Estremenho em Portugal. Não tendo olhos nem pigmentação, este minúsculo isópode é completamente adaptado à vida nas cavernas, e a água na qual ele vive possui uma temperatura relativamente constante de cerca de 17 °C o ano todo. Contudo o aumento da temperatura global média na superfície do planeta pode causar um aumento na temperatura da água dentro das cavernas também.

Proasellus lusitanicus na Caverna Almonda, Portugal. Créditos a Di Lorenzo & Reboleira (2022).*

Para entender como P. lusitanicus lidaria com um aumento da temperatura da água, as pesquisadoras Tiziana di Lorenzo e Ana Sofia Reboleira levaram espécimes ao laboratório e monitoraram sua resposta a temperaturas entre 17 e 22.5 °C, incluindo o consumo de oxigênio. Os resultados não foram muito bons. Nossos pequenos isópodes mostraram uma redução drástica na respiração com um aumento de só alguns graus na temperatura. A 22.5 °C, eles consumiram 75% menos oxigênio que a 17 °C. De fato, 25% dos espécimes morreram quando a temperatura da água aumentou apenas 2.5 °C.

Cavernas geralmente possuem condiç]oes muito estáveis, com pequena variação na luz, temperatura e umidade ao longo do ano. Como resultado, muitas espécies, como P. lusitanicus, perderam a habilidade de tolerar uma ampla gama de condições. Se a temperatura da água no sistema cárstico de Estremenho aumentar só alguns graus por causa das mudanças climáticas, nosso pequeno isópode provavelmente será extinto. Mas ele não será o único. A maioria, se não todas, as espécies de caverna são similarmente sensíveis a mudanças e podem ter o mesmo fim trágico.

Agora um local rico em espécies incríveis, as cavernas podem acabar como uma terra devastada em breve devido à inabilidade humana de tomar conta do planeta.

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Referência:

Di Lorenzo, T., & Reboleira, A. S. P. (2022). Thermal acclimation and metabolic scaling of a groundwater asellid in the climate change scenario. Scientific Reports12(1), 17938. https://www.nature.com/articles/s41598-022-20891-4

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