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Sexta Selvagem: Contemplador-das-Estrelas-do-Norte

por Piter Kehoma Boll

Olhe essa foto:

Não se parece com algo vindo diretamente dos seus pesadelos? Bem, é certamente um pesadelo real para alguns peixes. Chamado de Astroscopus guttatus, seu nome comum em inglês é northern stargazer, o qual decidi traduzir como contemplador-das-estrelas-do-norte.

O nome stargazer (contemplador-das-estrelas) vem do fato de esta espécie e outros contempladores-das-estrelas (que formam a família Uranoscopidae) terem seus olhos e sua boca virados para cima, de forma que parecem estar sempre olhando para o céu. O contemplador-das-estrelas-do-norte mede até 56 cm de comprimento e tem uma cor amarronzada com manchas brancas na cabeça e no dorso, apesar de quase todo seu corpo quase nunca ser visto. Ele é encontrado ao longo da costa atlântica dos Estados Unidos e é uma espécie bentônica que se enterra na areia, deixando somente o rosto de fora.

Um contemplador-das-estrelas-do-norte. Foto do usuário craigjhowe do iNaturalist.*

Para se enterrar, o contemplador-das-estrelas-do-norte nada desajeitadamente até chegar a um chão arenoso. Ele então se deita e começa a jogar areia para longe usando suas nadadeiras peitorais, o que faz sua cameça começar a afundar. Ao mesmo tempo ele se sacode de um lado para o outro, fazendo sua nadadeira anal deslizar para baixo para dentro da areia, assim lentamente enterrando sua metade posterior também. Quando somente os olhos, a boca e, às vezes, a ponta da cauda é deixada de fora, ele para de se mover e espera. Quando um peixe ou invertebrado nada ou caminha sobre a face do contemplador-das-estrelas, ele pode pular rapidamente e capturar a pobre criatura que agora se tornou uma refeição saborosa.

Mas a natureza terrível do contemplador-das-estrelas-do-norte não está apenas em sua aparência de pesadelo e seu comportamento predatório. Este peixe também é peçonhento, tendo dois grandes espinhos com peçonha acima das nadadeiras peitorais, logo atrás dos opérculos que cobrem suas brânquias. Mas que isso, o contemplador-das-estrelas-do-norte também pode produzir choques elétricos usando um órgão elétrico no meio da cabeça, o qual é formado por músculos oculares modificados.

Quando o contemplador-das-estrelas-do-norte se sente ameaçado, ele pode cavar muito mais rapidamente, jogando areia violentamente e fazendo a água se tornar turva por algum tempo. Quando a areia se assenta, não há nada a ser visto, já que o peixe se enterrou até 30 cm no substrato.

Agora imagine-se sendo um pequeno peixe tendo que viver sua vida com medo de que um monstro horrendo possa pular para fora da areia a qualquer momento e te injetar veneno, te dar um choque elétrico e te devorar.

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Referências:

Dahlgren, U. (1927). The life history of the fish Astroscopus (the” Stargazer”). The Scientific Monthly24(4), 348-365. https://www.jstor.org/stable/7905

Schwartz, F. J. (2000). Ecology and distribution of three species of stargazers (Pisces: Uranoscopidae) in North Carolina. Journal of the Elisha Mitchell Scientific Society, 153-158. https://www.jstor.org/stable/24335504

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*Creative Commons License Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons de Atribuição Não Comercial Sem Derivações 4.0 Internacional.

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Invasões alienígenas: a resistência está nos arroios

por Piter Kehoma Boll

Atividades humanas têm introduzido, seja deliberadamente ou acidentalmente, várias espécies em áreas fora de sua região nativa. Muitas destas espécies, quando alcançam um novo ecossistema, podem ter efeitos devastadores nas comunidades locais.

Uma prática comum é a introdução de peixes exóticos para produção de alimento ou para recreação. Apesar de o impacto de espécies de peixes exóticos poder ser severo, há vários fatores que modulam esta severidade. Contudo uma situação na qual os resultados podem ser catastróficos é quando peixes são introduzidos em corpos d’água que originalmente não possuíam peixes.

Arroios e lagos de montanha geralmente não possuem peixes por causa de barreiras físicas, especialmente quedas d’água, pois elas previnem peixes de se moverem rio acima. Mas peixes foram introduzidos em muitos lagos de montanha para fornecer um estoque local de alimento ou para pesca esportiva.

Um local que recebeu tal praga foi o Parque Nacional Gran Paradiso nos Alpes Italianos Ocidentais. Durante os anos 1960, a truta-das-fontes, Salvelinus fontinalis, um peixe que é nativo da América do Norte, foi introduzida em vários dos lagos de altitude do parque. Mais tarde, quando a área se tornou protegida, a pesca foi proibida.

Salvelinus fontinalis, a truta-das-fontes. Foto de Alex Wild.

De 2013 a 2017, um programa de erradicação de peixes foi conduzido em quatro lagos do parque: Djouan, Dres, Leynir e Nero. Os peixes foram capturados usando redes de emalhar e pesca elétrica. Como as trutas haviam colonizado os arroios que são conectados aos lagos, tiveram de ser removidas de lá também.

As comunidades de organismos vivendo em lagos e arroios foram monitoras para avaliar sua recuperação após a remoção dos peixes. Os lagos mostraram uma resiliência notável, chegando a uma estrutura de comunidade similar à de lagos onde peixes nunca foram introduzidos. Os arroios, por outro lado, não apresentaram grande diferença antes e depois da remoção de peixes. A razão, no entanto, não é porque os arroios possuem pouca resiliência. Ao contrário, os arroios mostraram grande resistência à invasão dos peixes. As trutas não pareceram afetar tanto as comunidades de macroinvertebrados de arroios. Mas por quê?

Lago Dres no Parque Nacional Gran Paradiso. Imagem extraída do website do parque (http://www.pngp.it).

Uma hipótese era de que macroinvertebrados constantemente colonizam os arroios por dispersão passiva, vindo de águas rio acima. Contudo isso não é aplicável a arroios que drenam os lagos, já que as comunidades de arroios e lagos são bem diferentes. Baixa predação por parte das trutas não é uma opção tampouco, porque se demonstrou que trutas de arroio na verdade comem mais que as de lago. Talvez invertebrados de arroio se reproduzam mais rapidamente que os de lagos? Não! Estudos demonstraram que isso é similar em ambos os ambientes.

A razão por que invertebrados de arroio são menos afetados pela introdução de peixes ainda é um mistério. Uma explicação possível é que arroios apresentam mais micro-habitats que não são explorados pelas trutas, fornecendo refúgio para os invertebrados. Precisamos de mais estudos para entender o que está acontecendo.

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Referências:

Tiberti R, Bogliani G, Brighenti S, Iacobuzio R, Liautaud K, Rolla M, Hardenberg A, Bassano B. (2019) Recovery of high mountain Alpine lakes after the eradication of introduced brook trout Salvelinus fontinalis using non-chemical methods. Biological Invasions 21: 875–894. doi: 10.1007/s10530-018-1867-0

Tiberti R, Brighenti S (2019) Do alpine macroinvertebrates recover differently in lakes and rivers after alien fish eradication? Knowledge & Management of Aquatic Ecosystems 420: 37. doi: 10.1051/kmae/2019029

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Indo fundo com as tripas cheias de micróbios: uma lição de peixes chineses

por Piter Kehoma Boll

Ao redor do mundo todo, muitas espécies animais se adaptaram a viver em ambientes de caverna, locais que são naturalmente desprovidos de luz, parcial ou inteiramente, e são, portanto, habitats pobres em nutrientes. A falta de luz faz com que seja impossível para plantas e outros organismos fotossintetizantes sobreviverem e, como resultado, há pouco alimento disponível para criaturas não fotossintetizantes. Estas criaturas dependem quase inteiramente de alimento que entra na caverna da superfície pela água ou por animais que se movem entre a superfície e as profundezas.

Devido à falta de luz nas cavernas, animais adaptados a este ambiente são geralmente desprovidos de olhos, pois ver não é possível de qualquer jeito, e brancos, porque não há necessidade de pigmentação na pele para se proteger da radiação ou para informar qualquer coisa visualmente. Por outro lado, sentidos químicos como olfato e paladar são frequentemente muito bem desenvolvidos.

Todas estas limitações tornam os ambientes de caverna relativamente pobres em espécies quando comparados a ambientes de superfície. Ou ao menos isso é o que parece à primeira vista. Há, é claro, muito menos espécies macroscópicas, como animais multicelulares, mas estes animais são eles mesmos um ambiente que pode abrigar uma vasta e desconhecida diversidade de microrganismos dentro deles.

Como vocês devem saber, a maioria dos, se não todos os, animais possui relações mutualísticas com microrganismos, especialmente bactérias, vivendo em seus intestinos. Esses microrganismos são essenciais para muitos processos digestivos, e muitos nutrientes que animais conseguem pela comida só podem ser obtidos com o auxílio desses amigos microscópicos. Os tipos de microrganismos no intestino de um animal estão diretamente relacionados com a dieta do animal. Por exemplo, herbívoros geralmente possuem uma alta diversidade de microrganismos que são capazes de degradar carboidratos, especialmente os complexos como a celulose.

Um estudo recente, conduzido na China com peixes do gênero Sinocyclocheilus, comparou a diversidade microbiana intestinal de diferentes espécies, incluindo algumas que vivem na superfície e algumas que são adaptadas a cavernas. Todas as espécie de Sinocyclocheilus parecem ser primariamente onívoras, mas espécies diferentes podem ter preferência por um tipo particular de comida, sendo mais carnívoras ou mais herbívoras.

O estudo descobriu que espécies de Sinocyclocheilus de caverna possuem uma diversidade microbiana muito maior que espécies de superfície. Mas como isso pode ser possível se o número de recursos é limitado nas cavernas em comparação com a superfície? Bem, essa parece ser exatamente a razão.

Sinocyclocheilus microphthalmus, uma das espécies de caverna usada neste estudo. Foto extraída de Cool Goby Blog.

Como eu mencionei, espécie de Sinocyclocheilus são onívoras. Na superfície, elas possuem comida à vontade disponível e podem se dar ao luxo de escolher um tipo de comida preferido. Como resultado, sua microbiota intestinal é composta principalmente de espécies que auxiliam na digestão de um tipo específico de comida. Em cavernas, por outro lado, a comida é tão escassa que não se pode escolher e é preciso comer o que quer que esteja disponível. Isso inclui se alimentar de pequenas porções de diferentes tipos de alimento, incluindo outros animais que vivem na caverna e muitos tipos diferentes de resíduos animais e vegetais que chegam à caverna pela água. Assim, uma comunidade muito mais diversa de microrganismos intestinais é necessária para que a digestão seja eficiente.

Veja como o número de gêneros diferentes de bactérias é muito maior no grupo de caverna (direita) que em dois grupos da superfície (esquerda e centro). Imagem extraída de Chen et al. (2019)

Mais do que uma diversidade aumentada por si só, a comunidade de peixes de caverna também mostrou um grande número de bactérias que é capaz de neutralizar compostos tóxicos de vários tipos. A razão para isso ainda não é clara, mas há duas explicações possíveis que não são necessariamente mutualmente exclusivas. A primeira afirma que a água em cavernas é renovada numa taxa muito menor que águas superficiais, o que promove o acúmulo de todo tipo de substâncias, incluindo resíduos metabólicos das próprias espécies da caverna que podem ser tóxicos. A segunda hipótese é de maior preocupação e sugere que este aumento do número de bactérias capazes de degradar substâncias nocivas é um fenômeno recente causado pelo aumento de poluição da água por atividades humanas, o que está promovendo uma pressão seletiva em organismos de caverna.

A microbiota intestinal diversa de peixes de caverna é, portanto, uma estratégia desesperada mas inteligente de sobreviver num ambiente tão hostil. A natureza sempre encontra um meio.

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Referência:

Chen H, Li C, Liu T, Chen S, Xiao H (2019) A Metagenomic Study of Intestinal Microbial Diversity in Relation to Feeding Habits of Surface and Cave-Dwelling Sinocyclocheilus Species. Microbial Ecology. doi: 10.1007/s00248-019-01409-4

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Ame ao filho do teu próximo: por que alguns animais cuidam dos filhotes de outros?

por Piter Kehoma Boll

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Cuidado parental, aqui definido como qualquer comportamento em que um animal toma conta de seus filhotes, é uma prática difundida no reino animal, tendo evoluído repetidamente em muitos táxons. Não é difícil notar, considerando a seleção natural, por que o cuidado parental é um traço adaptativo. Ele aumenta a chance de a prole sobreviver e assim carregar os genes para a próxima geração.

Uma ave alimentando seus bebês. Foto de JJ Harrison.*

Por outro lado, o comportamento relacionado a este e conhecido como cuidado aloparental não é tão fácil de explicar em todas as situações em que ocorre.

Enquanto cuidado parental significa cuidar da sua própria prole, cuidado aloparental significa cuidar da prole de outro indivíduo. Se você gasta tempo e recursos tomando conta de um animal que não é seu descendente direto, você deve ter uma boa razão para fazê-lo, uma razão que de alguma forma te beneficie. Ou você pode apenas ser muito burro.

A maioria dos animais rejeita ou mesmo mata a prole de outros indivíduos da mesma espécie. Um clássico exemplo é um leão macho que mata os filhotes que ele sabe não serem seus. Ele faz isso porque ele não vê vantagem em deixar a prole de outro macho sobreviver.

Um exemplo extremo de cuidado com jovens que não são sua prole direta é encontrado em insetos sociais como abelhas e formigas. Formigas operárias geralmente não reproduzem, mas criam suas irmãs como se fossem suas próprias filhas. Nesse caso, é mais vantajoso fazer irmãos do que fazer filhos por causa do peculiar sistema de reprodução dos himenópteros. Não entrarei em detalhes, mas, basicamente, formigas compartilham 100% do DNA de seu pai e 50% do DNA de sua mãe, de forma que duas formigas irmãs possuem 75% dos genes em comum, enquanto a relação entre uma formiga fêmea e uma prole fêmea é de apenas 50%.

Abelhas ajudam a mãe a criar suas irmãs. Foto do usuário Waugsberg do Wikimedia.*

No entanto cuidado aloparental é encontrado em muitos outros animais, especialmente em mamíferos. Apesar de não terem 75% de similaridade entre irmãos como em formigas, muitos mamíferos e outros animais ajudam suas mães e/ou seus pais a criarem seus irmãos. Isso possui vantagens menos diretas, mas elas ainda estão lá. Afinal, seus irmãos (se eles são da mesma mãe E do mesmo pai) compartilham 50% do seu DNA, a mesma quantidade que você compartilha com seus filhos. Mas cuidado aloparental também pode acontecer com parentes mais distantemente relacionados, como netos ou meios-irmãos, que compartilham somente 25% do DNA com você. Isso não é um problema, no entanto, porque se você não é capaz de ter seus próprios filhos naquele momento, é melhor ajudar a criar aqueles jovens que compartilham algum DNA com você do que não fazer nada, porque 25% dos seus genes ainda é melhor que nada.

Um artigo recentemente publicado reporta a primeira observação de cuidado aloparental em campo no peixe ciclídeo Neolamprologus savoryi. A equipe observeu um peixe macho ajudando a tomar conta dos ovos de outro macho que se descobriu ser seu pai, apesar de a mãe dos ovos não ser sua mãe. O macho ajudante era pequeno e provavelmente sexualmente imaturo, de forma que, como dito acima, ajudar seus meios-irmãos, que possuem 25% de seus genes, a sobreviver é melhor do que não fazer nada.

Um macho imaturo de Neolamprologus savoryi tomando conta dos ovos de seu pais e sua madrasta. Créditos a Josi et al. (2019).

Uma coisa realmente difícil de explicar é por que alguns animais aceitam tomar conta da prole de indivíduos não aparentados, no qual não há uma vantagem adaptativa clara. Uma situação como essa foi descoberta recentemente ocorrendo na lacrainha-comum Forficula auricularia. Fêmeas que tiveram seus ovos substituídos pelos de uma fêmea não relacionada tomaram conta deles como se eles fossem seus próprios. Nenhuma vantagem de qualquer tipo pode ser extraída deste comportamento, de forma que a explicação mais provável é simplesmente a falta de pressão adaptativa para rejeitar ovos não relacionados. É provável que, em condições naturais, uma fêmea de lacrainha nunca encontre ovos de outra fêmea. Desta forma, nunca houve um cenário no qual a capacidade de reconhecer os próprios ovos (e diferenciá-los de outros) pudesse evoluir. A seleção natural precisa de oportunidades para agir.

Forficula auricularia com uma massa de ovos. Foto de Tom Oates.*

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Sua mãe ama você mais quando ela ama seu pai… se você é um peixe

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Referências:

Josi D, Taborsky M, Frommen JG (2019) First field evidence of alloparental egg care in cooperatively breeding fish. Ethology 125(3): 164–169. doi: 10.1111/eth.12838

Royle NJ, Moore AJ (2019) Nature and Nurture in Parental Care. In: Genes and Behaviour, pp. 131–156. John Wiley & Sons, Ltd. doi: 10.1002/9781119313663.ch7

Van Meyel S, Devers S, Meunier J (2019) Love them all: mothers provide care to foreign eggs in the European earwig Forficula auriculariaBehavioral Ecology. doi:10.1093/beheco/arz012

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*Creative Commons License Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons de Atribuição e Compartilhamento Igual 3.0 Não Adaptada.

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Sua mãe ama você mais quando ela ama seu pai… se você é um peixe

por Piter Kehoma Boll

Seleção sexual é um tema frequente de minhas postagens aqui, mas elas costumam ser focadas em como fêmeas e machos se comportam um em relação ao outro. Contudo há um terceiro elemento que resulta de suas interações: os filhos.

Fêmeas tendem a selecionar os melhores machos para serem o pai de seus filhos porque estão interessadas em ter uma prole saudável e forte com melhores chances de sobreviver. Mas o que acontece quando uma fêmea não tem escolha a não ser acasalar com um macho de baixa qualidade? Ela cuidará dos filhotes da mesma forma?

Um estudo recente conduzido com o ciclídeo ponta-vermelha-de-Honduras, Amatitlania siquia, investigou essa questão. Esse peixe é nativo da América Central e, como geralmente acontece com ciclídeos, uma fêmea e um macho se unem e tomam conta juntos dos ovos e dos filhotes.

Um casal de Amatitlania siquia. Foto extraída de nvcweb.nl

Os pesquisadores puseram uma fêmea em um aquário de lados transparentes onde ela era capaz de analisar visualmente dois machos, um numa câmara à esquerda e outro numa câmara à direita. Um dos machos era maior que o outro, ambos sendo maiores que a fêmea. Após 48 horas, a fêmea foi posta aleatoriamente com o macho maior ou o macho menor para acasalarem.

Os resultados indicam que fêmeas produzem um número similar de ovos e tomam conta deles de forma similar quando acasalam com machos maiores ou menores. Contudo, depois que os ovos eclodem e as larvas se desenvolvem em pequenos juvenis, as fêmeas passam mais tempo cuidando deles caso o pai seja o peixe maior.

Elas não parecem muito animadas em perder tempo com crianças de baixa qualidade. Afinal, elas pode encontrar aquele belo peixe grande novamente no futuro.

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Referências:

Robart AR, Sinervo B (2019) Females increase parental care, but not fecundity, when mated to high-quality males in a biparental fish. Animal Behavior 148: 9–18. https://doi.org/10.1016/j.anbehav.2018.11.012

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Ventre Divertido: Bebês tubarões nadam dentro da mãe

by Piter Kehoma Boll

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A maioria das fêmeas de mamíferos se caracteriza por carregar os embriões no útero. À medida que o embrião cresce e se desenvolve, o espaço dentro do útero fica apertado, o que torna sua habilidade de se mover bastante limitada. Além disso, embriões de mamíferos são presos ao útero pela placenta, de forma que se mexer demais pode ser perigoso.

As coisas são diferentes em tubarões, que também tendem a carregar seus embriões no útero. Sem placenta, os embriões de tubarão podem se mover livremente dentro do útero, e algumas observações recentes revelaram que eles se movem bastante.

Um espécime de Nebrius ferrugineus na Grande Barreira de Corais. Foto de Anne Hoggett.*

Usando um dispositivo de ultrassom adaptado para ser usado embaixo d’água, um grupo de cientistas japoneses descobriu que os embriões do tubarão-lixa-enferrujado Nebrius ferrugineus são muito ativos dentro do útero. Tubarões fêmeas na verdade possuem dois úteros, os quais são conectados por uma passagem estreita logo acima do colo (a “saída” do útero). Os embriões foram observados nadando constantemente de um útero para o outro e em uma ocasião um deles até pôs a cabeça através do colo para “dar uma espiadinha” nas coisas fora da mamãe.

Imagens de ultrassom e ilustrações esquemáticas de um embrião de tubarão nadando de um útero para o outro. Imagem do artigo original.

A razão para uma vida tão ativa dentro do útero ainda não está bem clara, mas uma hipótese é a de que os embriões nadam procurando por ovos e embriões menores para comer. Pode soar horrível, mas bebês tubarões comendo seus irmãos dentro do útero parece ser uma ocorrência comum.

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Referência:

Tomita T, Murakumo K, Ueda K, Ashida H, Furuyama R (2018) Locomotion is not a privilege after birth: Ultrasound images of viviparous shark embryos swimming from one uterus to the other. Ethology. https://doi.org/10.1111/eth.12828

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*Creative Commons License Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons de Atribuição 4.0 Internacional.

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Centenas de peixes-leões foram soltos no Atlântico por pena

por Piter Kehoma Boll

O peixe-leão-vermelho, Pterois volitans, é um peixe de coral belo e venenoso que é nativo da região indo-pacífica. Devido à sua grande beleza, é um peixe muito popular em aquários no mundo todo.

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Um peixe-leão-vermelho em seu habitat natural e nativo na Indonésia. Foto de Alexander Vasenin.*

Desde os anos 1980, o peixe-leão-vermelho passou a ser encontrado nas águas do oceano Atlântico em torno da Flórida. Como ele chegou lá? Certamente os humanos tiveram algo a ver com isso, mas a forma exata ainda é desconhecida. Originalmente uma população pequena, a espécie rapidamente se espalhou no começo do século XXI e em 2010 tinha colonizado o Caribe e o Golfo do México.

Alguns estudos originais sobre a diversidade genética da população do Atlântico estimaram que o número mínimo de espécimes introduzidos era em torno de 10. Se isso fosse verdade, a população estabelecida poderia ser o resultado de um acidente, como, por exemplo, os peixes de um único aquário que acidentalmente acabaram no mar.

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Um peixe-leão-vermelho fotografado em Curaçao, Caribe. Foto de Laszlo Ilyes.**

Um estudo publicado recentemente (veja referência), contudo, reestimou este número usando novos modelos e dados adicionais. As conclusões são de que o número de peixes que colonizaram o Atlântico era muito maior, em torno de 272 indivíduos. Uma introdução tão grande dificilmente ocorreria por acidente. Introduções por peixes sendo transportados da região indo-pacífica na água de lastro de navios é improvável, pois eles dificilmente sobreviveriam ao transporte. A resposta mais provável é que esses peixes foram introduzidos por várias pequenas solturas que aconteceram em Miami. Como e por quê? Bem, muitas pessoas gostam de ter peixes em belos aquários em casa, e quando elas se cansam de cuidar dos animais ou não podem mais continuar sustentando-os, elas decidem simplesmente largá-los no oceano por pena, porque a alternativa seria matá-los.

Agora você vê quais são as consequências de pensar assim? Você se preocupa demais com um único exemplar, não possui conhecimento ecológico e simplesmente decide largá-los na natureza. Anos depois, eles acabaram com ecossistemas inteiros e causaram um desastre de grande escala. É isso que humanos fazem. Como dizem, de boas intenções o inferno está cheio.

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Referências:

Selwyn JD, Johnson JE, Downey-Wall AM, Bynum AM, Hamner RM, Hogan JD, Bird CE. (2017Simulations indicate that scores of lionfish (Pterois volitans) colonized the Atlantic OceanPeerJ 5:e3996 https://doi.org/10.7717/peerj.3996

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*Creative Commons License
Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons de Atribuição e Compartilhamento Igual 3.0 Não Adaptada.

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Sexta Selvagem: Peixe-lua

por Piter Kehoma Boll

Vamos nadar até o mundo dos peixes mais uma vez. E hoje vamos conhecer o mais pesado dos peixes ósseos, o peixe-lua!

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O peixe-lua se parece com um pedaço gigante de cogumelo, não acha? Foto de Per-Ola Norman.

Cientificamente conhecido como Mola mola, o peixe-lua é encontrado em águas tropicais e temperadas dos  oceanos do mundo todo e possui uma aparência bem estranha. E essa não é a única coisa estranha sobre ele. Mais do que ser o peixe ósseo mais pesado no mundo, pesado até mil quilos, ele se alimenta quase exclusivamente de águas-vivas, comendo uma quantidade enorme delas para se tornar tão grande. Além disso, o peixe-lua fêmea é conhecido por produzir até 300 milhões de ovos de uma vez, mais do que qualquer outro vertebrado!

A estranha protuberância na sua parte traseira não é uma nadadeira caudal. Na verdade, peixes-lua não têm cauda nenhuma. Essa estrutura, chamada de clavus, é formada por projeções das nadadeiras dorsal e anal.

Apesar do tamanho gigantesco, peixes-lua não são uma ameaça direta a humanos. As pessoas podem nadar entre eles sem problemas. As formas mais comuns de acidentes com estes peixes são causadas quando barcos colidem com eles ou quando um peixe-lua pula para fora da água e acaba dentro de um barco. Imagine um peixe de meia tonelada aterrissando sobre sua cabeça!

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Referências:

McGrouther, Mark (2011).”Ocean Sunfish, Mola mola“. Australian Museum Online.Disponível em <http://australianmuseum.net.au/ocean-sunfish-mola-mola&gt;. Acesso em 8 de dezembro de 2016.

Wikipedia. Ocean sunfish. Disponível em <https://en.wikipedia.org/wiki/Ocean_sunfish&gt;. Acesso em 8 de dezembro de 2016.

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Sexta Selvagem: Glúgea-de-solha

por Piter Kehoma Boll

Ao procurar por linguados você pode eventualmente encontrar um com algum crescimento grotesco no corpo, como o na foto abaixo:

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Um xenoma causado por Glugea stephani em um linguado Limanda limanda. Foto de Hans Hillewaert.*

Esse tipo de tumor é chamado de xenoma e, em linguados, é causado por um fungo microscópico e parasítico chamado Glugea stephani, ou a glúgea-de-solha.

A glúgea-de-solha é parte de um grupo de fungos chamado Microscoporidia que até recentemente eram classificados como protistas. Eles são unicelulares e parasitam outros organismos, especialmente crustáceos e peixes.

Uma vez dentro de um linguado, a glúgea-de-solha entra numa célula intestinal e começa a se desenvolver. Elas podem induzir a célula hospedeira a aumentar de tamanho e podem originar xenomas, que são o estágio mais extremo no desenvolvimento da doença. A proliferação e o estágio ativo da glúgea são livres no citoplasma da célula hospedeira, mas elas podem se converter em uma forma similar a um esporo, chamada esporoblasto, que se mantém dentro de um vacúolo.

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Imagem de microscopia eletrônica de uma célula intestinal de uma solha-de-inverno (Pseudopleuronectes americanus) infectada por glúgea-de-solha (Glugea stephani). O S indica esporoblastos dentro de um vacúolo (SV) e o P são os organismos proliferando dentro do citoplasma (H) do hospedeiro. Imagem extraída de Takvorian & Cali (1983).

Felizmente a maioria das infecções são amenas e não comprometem a saúde do peixe, pelo menos não muito…

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Referências:

Takvorian, P. M.; Cali, A. (1983). Appendages associated with Glugea stephani, a microscporidian found in flounder. Journal of Protozoology, 30(2): 251-256.

Wikipedia. Xenoma. Available at: . Access on September 17, 2016.

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*Creative Commons License
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Sexta Selvagem: Solha-de-inverno

por Piter Kehoma Boll

Você consegue ver os dois peixes na foto abaixo?

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Camuflagem perfeita. Duas solhas-de-inverno, Pseudopleuronectes americanus. Foto de Brent Wilson.*

Pertencendo à espécie Pseudopleuronectes americanus, popularmente conhecida como solha-de-inverno, ela é uma espécie de linguado nativa na costa do Atlântico Norte do Canadá e dos Estados Unidos. Ela pode chegar a 70 cm de comprimento e 3,6 kg, apesar de ser menor na maior parte das áreas.

Como com outros linhados, a solha-de-inverno é assimétrica. Ela vive no substrato, deitada em um de seus lados (neste caso, do lado esquerdo) e seu olho esquerdo migrou para o lado direito, de forma que os dois apontam para cima.

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Condenada a deitar-se do lado esquerdo.

Vivendo em águas muito frias, a solha-de-inverno sofre o risco de congelar durante o inverno. Como resultado disso, seu sangue possui um conjunto de proteínas que possuem a habilidade de reduzir o ponto de congelamento da água, permitindo que permaneça líquida abaixo de 0°C.

A solha-de-inverno é um importante peixe comercial nos EUA e considera-se que possui uma carne deliciosa. Ela sofreu com a sobrepesca nas décadas passadas e algumas populações foram quase extintas. Apesar de ter havido uma grande redução na pressão de pesca ultimamente, muitas populações estão se recuperando muito lentamente devido a outros fatores, tal como degradação de habitat e baixa variabilidade genética. Além disso, ainda há áreas em que a sobrepesca possa ainda estar acontecendo.

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Referências:

Duman, J. G.; DeVries, A. L. (1976) Isolation, characterization, and physical properties of protein antifreezes from the winter flounder, Pseudopleuronectes americanusComparative Biochemistry and Physiology Part B: Comparative Biochemistry, 54(3): 375-380.

Wikipedia. Winter flounder. Disponível em: < https://en.wikipedia.org/wiki/Winter_flounder >. Acesso em 17 de setembro de 2016.

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