Arquivo da categoria: platelmintos

Revelados os gostos da língua-de-vaca! Planária gigante é encontrada comendo caracol gigante!

por Piter Kehoma Boll

Polycladus gayi é uma planária terrestre icônica encontrada no Chile e conhecida localmente como lengua de vaca (língua de vaca). Apesar de ser a maior planária terrestre do chile e uma das primeiras planárias terrestres descritas, ainda em 1845, não sabemos quase nada de sua ecologia.

Mas as coisas estão mudando! Nos últimos meses, dois espécimes foram encontrados se alimentando na na natureza e, em ambos os casos, a presa era a mesma espécie, o caracol negro gigante, Macrocyclis peruvianus, o maior caracol do Chile. Ambas as observações ocorreram em áreas de proteção do Chile, Parque Nacional Villarrica e Parque Nacional Alerce Costero, e foram registradas por pessoas não especialistas visitando as áreas. Mais uma descoberta importante que aconteceu graças à ciência cidadã!

A planária terrestre Polycladus gayi agarrada ao caracol Macrocyclis peruvianus e se banqueteando em sua carne. Foto de Yerko Lloncón.*

Após quase dois séculos desde que a planária P. gayi foi descoberta, finalmente sabemos algo sobre sua posição na cadeia alimentar! E, claro, isso também nos ajuda a ver o caracol M. peruvianus de uma nova perspectiva, já que esse também parece ser o primeiro registro de um de seus predadores! Apesar de caracóis serem um item comum na dieta de planárias terrestres, nem todas as espécies se alimentam deles, e não podemos supor que ambos os grupos estão sempre diretamente conectados na teia alimentar.

Vem ver como a planária ficou gordinha depois de comer o caracol inteiro!

Ainda há muito para descobrir sobre essas duas criaturas chilenas tão únicas, e a parceria entre pesquisadores e o público em geral é uma forma importante de acelerar o acúmulo de conhecimento sobre as criaturas ao nosso redor!


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Referências:

Boll PK, Lloncón Y, Almendras D (2023) Records of the land planarian Polycladus gayi (Tricladida, Geoplanidae) preying on black snails Macrocyclis peruvianus (Gastropoda, Macrocyclidae). Austral Ecology. https://doi.org/10.1111/aec.13430


*Creative Commons License Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons de Atribuição Não Comercial e Compartilhamento Igual 4.0 Internacional.

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Sexta Selvagem: Giradora-Hermafrodita

por Piter Kehoma Boll

A maioria dos platelmintos conhecidos até hoje são parasitas, e é provável que estes sejam, de fato, a maioria do filo. Não obstante, a diversidade de platelmintos de vida livre é certamente subestimada. Isso é especialmente notável quando falamos sobre o camaradinha de hoje, Gyratrix hermaphroditus, um minúsculo platelminto que eu decidi chamar em português de giradora-hermafrodita.

Medindo cerca de 1 a 2 mm de comprimento, a giradora-hermafrodita é uma criaturinha bem fofa. Ela possui o formato de uma gota alongada, arredondada na extremidade posterior e meio pontuda na extremidade anterior. Há dois olhinhos pequenos que ficam um pouco para trás da extremidade anterior, fazendo com que ela pareça ter um focinho alongado e móvel. Ela meio que se parece com uma versão microscópica de uma foca.

Um espécime fofinho da giradora-hermafrodita. Podemos ver os dois olhos pretos com a faringe à frente deles, o intestino preenchido de alimento, o estilete parecido com uma agulha perto da extremidade posterior e um ovo ovalado. Foto extraída de plingfactory.de

Pelo corpo da giradora-hermafrodita ser transparente, podemos ver seus órgãos internos com facilidade. Entre os olhos e a ponta anterior podemos ver uma estrutura que parece um cilindro transparente. Essa é a probóscide, usada para capturar presas. Quando o intestino está cheio de alimento, também pode ser percebido.

A giradora-hermafrodita é um animal curioso porque é encontrada pelo mundo todo, em todos os continentes, mas também tanto em água doce quanto em ambientes marinhos. De fato ela não é uma só espécie, mas um complexo de espécies muito similares que foram consideradas, ou tratadas como, uma única espécie por décadas. Estudos molecular recentes, no entanto, deixaram claro que a giradora-hermafrodita não é uma, mas muitas espécies diferentes. Apesar de casos de complexos de espécie considerados uma só espécie serem comuns entre organismos microscópicos, a giradora-hermafrodita é um caso especial em que, pelo que se descobriu até agora, o complexo inclui um número realmente gigantesco de espécies, provavelmente centenas delas.

Dá uma olhada numa delas em ação no tweet acima.

Como o nome da giradora-hermafrodita já dá a entender, ela é hermafrodita como a maioria dos platelmintos. Perto da extremidade posterior de seu corpo podemos ver uma estrutura reta parecida com uma agulha, o estilete. Ele é parte do aparelho copulador masculino, formando meio que um pênis rígido em forma de agulha, que é usado para penetrar o corpo de outros indivíduos e fertilizá-los. Às vezes também podemos ver indivíduos com ovos não postos dentro deles. Estes aparecem como estruturas ovaladas marrons. Quando os ovos são postos, ficam presos ao substrato por um pequeno pedúnculo que impede que sejam carregados para longe pela água.

Um ovo da giradora-hermafrodita prestes a eclodir. Podemos ver os dois olhos através da concha. Sua cara triste é provavelmente porque ele terá que viver no mesmo mundo que o Bolsonaro. Foto extraída de plingfactory.de

Apesar da distribuição a nível global deste complexo de espécies, não sabemos quase nada sobre o comportamento e a ecologia da giradora-hermafrodita. Elas se alimentam de animais menores e protistas que dividem o mesmo ambiente. A captura de presas geralmente ocorre com a probóscide, mas elas também podem usar o estilete para perfurar a presa. Depois disso, posicionam a boca sobre o ferimento e começam a sugar o conteúdo da presa. Como na maioria dos platelmintos, a boca fica localizada no ventre, mais ou menos na metade do corpo.

Vamos esperar que os nossos colegas zoólogos que trabalham com esses minúsculos platelmintos comecem a dividir esse complexo nas espécies reais, como a giradora-hermafrodita merece.

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Referências:

Tesses, B., Gijbels, M., & Artois, T. (2009). MATING AND FEEDING BEHAVIOUR OF THE EURYHALINE COSMOPOLITAN FLATWORM GYRATRIX HERMAPHRODITUS. Belgium, 27 November 2009: VLIZ Special Publication, 43. Vlaams Instituut voor de Zee (VLIZ): Oostende, Belgium. xiii+ 221 pp.

Tessens, B., Monnens, M., Backeljau, T., Jordaens, K., Van Steenkiste, N., Breman, F. C., … & Artois, T. (2021). Is ‘everything everywhere’? Unprecedented cryptic diversity in the cosmopolitan flatworm Gyratrix hermaphroditus. Zoologica Scripta50(6), 837-851. https://doi.org/10.1111/zsc.12507

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Duas novas planárias-cabeça-de-martelo potencialmente invasoras se juntam ao time durante a pandemia

por Piter Kehoma Boll

As planárias-cabeça-de-martelo formam um grupo fascinante de planárias terrestres que é nativo de Madagascar e do Sul e Sudeste da Ásia. Apesar de sua enorme diversidade nesses lugares, a maior parte do que sabemos delas vem de umas poucas espécie que foram inadvertidamente disseminadas para novas áreas.

Agora duas novas espécies se juntam a este time viajante através de um novo estudo publicado na revista PeerJ por uma equipe liderada pelo Professor Jean-Lou Justine do Muséum National d’Histoire Naturelle, Paris.

A bela e brilhante Humbertium covidum. Foto de Pierre Gros*.

A primeira espécie é uma planária-cabeça-de-martelo completamente preta que foi encontrada em Pyrénées-Atlantiques (França) e Vêneto (Itália). Ela foi chamada Humbertium covidum porque o estudo foi concluído durante o lockdown causado pela pandemia de COVID-19 e como uma homenagem às vítimas da doença. Análises genéticas de seu conteúdo intestinal indicam que ela se alimenta de pequenos caracóis.

A cor azul-esverdeada de Diversibipalium mayottensis. Foto de Laurent Charles.*

A segunda espécie nova tem uma bela iridescência azul-esverdeada sobre sua cor marrom e foi encontrada em Mayotte, uma ilha francesa no Canal de Moçambique entre a África e Madagascar. Ela foi, portanto, adequadamente chamada de Diversibipalium mayottensis. Pela proximidade de Mayotte com Madagascar, esta ilha maior, onde planárias-cabeça-de-martelo são nativas, poderia ser seu local de origem. Outro aspecto interessante desta espécie é que ela forma um grupo irmão com as outras planárias-cabeça-de-martelo das quais temos dados moleculares. Isso poderia significar que ela forma uma linhagem que divergiu a maioria das planárias-cabeça-de-martelo muito tempo atrás.

Os pesquisadores sequenciaram o genoma mitocondrial (mitogenoma) completo das duas novas espécies e de outras três planárias-cabeça-de-martelo invasoras já conhecidas. Isso permitiu à equipe apresentar a primeira filogenia robusta dessas planárias.

Agora precisamos seguir estudando mais planárias-cabeça-de-martelo para conhecer sua história e ir mergulhar fundo em sua diversidade. O que você acha de se juntar a nós, planariologistas?

<small>O mitogenoma completo das duas novas planárias-cabeça-de-martelo. Créditos a Justine et al. (2022).*</small>

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Referência:

Justine JL, Gastineau R, Gros P, Gey D, Ruzzier E, Charles L, Winsor L (2022) Hammerhead flatworms (Platyhelminthes, Geoplanidae, Bipaliinae): mitochondrial genomes and description of two new species from France, Italy, and Mayotte. PeerJ. http://dx.doi.org/10.7717/peerj.12725

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*Creative Commons License Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons de Atribuição 4.0 Internacional.

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Arquivado em platelmintos, vermes, Zoologia

Uma vida de aventuras não acabou bem para este policládido

por Piter Kehoma Boll

Policládidos são platelmintos marinhos, alguns dos quais possuem cores incríveis e são frequentemente confundidos com lesmas marinhas. Apesar de se conhecer muito poucas espécies de água doce, não há espécies terrestres (apesar de isso ter sido sugerido por um naturalista delirante cerca de 150 anos atrás).

Contudo em 2018 um policládido marinho parece ter decidido explorar o mundo fora dos oceanos montado nas costas de um sapo em Bangladesh. Como isso aconteceu? Ninguém sabe ao certo. Um grupo de pesquisadores trabalho na ilha de Nijhun Dwip encontrou um sapo-asiático-comum (Duttaphrynus melanosticus) andando por um campo agrícola com um policládido preso ao dorso.

O sapo e o policládido. Uma nova fábula de Esopo. Créditos a Rabbe et al. (2020).*

Um canal que passa pelo campo pode ser inundado pelo mar durante a maré alta e é assim que os pesquisadores pensam que o platelminto acabou em terra firma e eventualmente nas costas do sapo. Infelizmente, pelo fato de o sapo ter sido avistado pelos pesquisadores, o pobre policládido acabou sendo coletado e morto e está agora preservado num laboratório.

Nem todas as aventuras têm finais felizes…

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Referências:

Rabbe MF, Roy DK, Mohammad N, Liza FT, Mukutmoni M, Alam MM, Begum A & Jaman MF2020. A Novel Natural History Phenomenon: A Free-living Marine Flatworm (Polycladida) Attached to a Common Asian Toad (Duttaphrynus melanostictus). Reptiles & Amphibians 27: 293–294. https://journals.ku.edu/reptilesandamphibians/article/view/14404

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*Creative Commons License Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons de Atribuição Não Comercial 4.0 Internacional

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Arquivado em anfíbios, Anura, Comportamento, Curiosidades, platelmintos, turbelários, Zoologia

Sexta Selvagem: Paucumara-Foice

por Piter Kehoma Boll

Como planariólogo, eu obviamente amo planárias e as acho criaturas incríveis. Entre as mais de 300 Sextas Selvagens que já tivemos até agora, somente três foram planárias, e todas eram planárias terrestres. Então acho que está mais do que na hora de trazer uma espécie aquática, mas em vez de ir para as mais famosas espécies de água doce, vamos apresentar uma marinha.

Planárias marinhas formam um grupo muito diverso mas pouco estudado. A espécie de hoje se chama Paucumara falcata, que eu decidi apelidar de paucumara-foice. Esta espécie foi descrita só dois anos atrás, em 2019, e é uma das duas espécies no gênero Paucumara.

Todas os espécimes atualmente conhecidos da paucumara-foice foram encontrados nas águas costeiras de Shenzhen, na China. Eles medem cerca de 4 mm de comprimento e 0.5 mm de largura. Eles são, portanto, muito pequenos mesmo de uma perspectiva planariana. O corpo é em sua maioria transparente, com o intestino facilmente visível através da pele, especialmente quando preenchido de alimento. Dois pequenos olhos em formato de rim ficam perto da extremidade anterior, que é meio triangular. Há três faixas branco-amareladas correndo transversalmente através do corpo, uma na extremidade anterior, uma logo atrás dos olhos e uma perto da extremidade posterior. A região entre as duas primeiras faixas branco-amareladas é amarronzada, e uma faixa longitudinal branco-amarelada corre a partir da segunda faixa transversal posteriormente até cerca de um terço do comprimento do corpo, criando uma forma de T. Também há algumas manchas branco-amareladas espalhadas pelo dorso.

Dois espécimes de paucumara-foice. Extraído de Chen et al. (2019).

Pouco é conhecido da ecologia desta espécie, principalmente porque ela foi descoberta apenas recentemente. Contudo ela consegue ser mantida em laboratório, onde grupos de indivíduos podem se alimentar de invertebrados maiores, incluindo planárias maiores.

A coisa mais interessante observada nesta espécie é seu comportamento reprodutivo. No laboratório, um espécime disposto a acasalar aborda um parceiro potencial e começa a “dançar” ao seu lado, balançando a cauda de um lado para o outro e tocando o corpo do parceiro potencial com ela. Quando o verme que foi abordado aceita o convite, ele levanta sua cauda do substrato e expõe seu gonóporo (a abertura genital) e o primeiro verme faz o mesmo. Eles então tocam seus gonóporos e começam a acasalar.

A foice usada para ancorar um animal no outro durante a cópula. Extraído de Chen et al. (2019).

O aparelho copulador masculino da paucumara-foice possui um órgão músculo-parenquimático em forma de foice com um estilete quitinizado na ponta, de onde o nome falcata (“foiçada”). Quando um casal está acasalando, cada um dos envolvidos fura o corpo do outro com sua foice, assim garantindo que eles fiquem ancorados um ao outro durante os cerca de 10 minutos que o acasalamento dura. Depois que os dois trocaram esperma, eles se desconectam mas permanecem juntos e torcem seus corpos um ao redor do outro, formando uma espiral. Por quê? Ninguém sabe… ainda.

Observe-as acasalando e se torcendo numa espiral!

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Referências:

Chen, J.-J., Li, W.-X., Sluys, R., Wu, M.-Q., Wang, L., Li, S.-F., & Wang, A.-T. (2019). Two new species of marine flatworm from southern China facilitate determination of the phylogenetic position of the genus Nerpa Marcus, 1948 and the histochemical structure of the nervous system in the genus Paucumara Sluys, 1989 (Platyhelminthes, Tricladida, Maricola). Zootaxa4568(1), 149–167. https://doi.org/10.11646/zootaxa.4568.1.9

Yang, Y., Li, J.-Y., Sluys, R., Li, W.-X., Li, S.-F., & Wang, A.-T. (2020). Unique mating behavior, and reproductive biology of a simultaneous hermaphroditic marine flatworm (Platyhelminthes, Tricladida, Maricola). Invertebrate Biology139(1), e12282. https://doi.org/10.1111/ivb.12282

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Arquivado em platelmintos, Sexta Selvagem

Sexta Selvagem: Planária-da-Nova-Guiné

por Piter Kehoma Boll

Aprendemos semana passada sobre o caracol-gigante-africano e como ele se espalhou pelo mundo, prejudicando diversos ecossistemas. Pelo começo dos anos 1980, o caracol-gigante-africano era uma praga na ilha de Guam, mas subitamente seus números passaram a cair e a causa identificada foi a introdução acidental de outra espécie na ilha, a Planária-da-Nova-Guiné, Platydemus manokwari.

Planária da Nova Guiné na Indonésia. Foto de Franz Anthony.*

Descoberta nas florestas em torno da cidade de Manokwari, na Nova Guiné, mais precisamente na província de Papua Ocidental, Indonésia, a planária-da-Nova-Guiné era a princípio só mais uma planária terrestre como muitas outras encontradas pelas regiões Australásia e Indo-Malaia. Medindo cerca de 60 mm de comprimento, 7 mm de largura e apenas 2 mm de espessura, a planária-da-Nova-Guiné tem um dorso marrom-escuro, quase preto, com uma fina linha mediana amarela, enquanto o lado ventral tem uma cor bege. Pertencendo à tribo Rhynchodemini de planárias terrestres, ela só tem dois olhos na região anterior e eles são consideravelmente grandes comparados aos olhos de planárias terrestres de outras tribos e subfamílias e possuem mesmo uma lente simples sobre o cálice de pigmento, o que significa que elas provavelmente veem melhor que a maioria das planárias.

Extremidade anterior da planária-da-Nova-Guiné. O olho direito é visível como um ponto preto. Créditos a Justine et al. (2014).**

Como todas, ou a maioria das, planária terrestres, a planária-da-Nova-Guiné é um predador e suas presas favoritas parecem ser caracóis, o que a fez se tornar um método de controle bem-sucedido contra o caracol-gigante-africano em Guam. Devido a este sucesso, a planária-da-Nova-Guiné foi deliberadamente introduzida em Bugsuk, uma pequena filha das Filipinas. Cerca de 20 meses após sua introdução, sua população crescera significativamente e a população do caracol-gigante-africano diminuíra drasticamente.

Um espécime em Guam. Foto de Brenden Holland.*

Durante os anos seguintes, o interesse na planária-da-Nova-Guiné cresceu e a espécie foi introduzida deliberada ou acidentalmente em muitas ilhas do Pacífico. Contudo, lá pelos anos 1990, a situação já se tornara um pesadelo. Uma das áreas mais severamente afetadas foram as ilhas Ogasawara no Japão. Estas ilhas costumavam ter uma fauna de caracóis muito rica, mas 10 anos após a introdução da planária-da-Nova-Guiné, a maioria das espécies havia sido extinta. Contudo, apesar de remover a maioria dos caracóis das ilhas, a população da planária-da-Nova-Guiné continuou grande e logo se descobriu que ela pode se alimentar também de minhocas, nemertinos, tatuzinhos-de-jardim e mesmo de outras planárias terrestres. Sua ameaça, portanto, vai muito além dos caracóis.

Apesar de ter se disseminado através de muitas ilhas do Pacífico, a planária-da-Nova-Guiné permaneceu restrita a esta área do mundo por algum tempo, mas as coisas mudaram em 2014 quando ela foi registrada na França. Somente um ano depois, em 2015, ela foi encontrada no sul dos Estados Unidos e no Caribe. Em 2018 ela foi encontrada na Tailândia e, para piorar as coisas, ela se revelou ser também um hospedeiro do nematódeo parasita Angiostrongylus cantonensis, da mesma forma que o caracol-gigante-africano.

Espécime na Flórida, EUA. Foto de  Luca Catanzaro.*

Não é de se surpreender então que a planária-da-Nova-Guiné também é considerada uma das 100 piores espécies invasoras do mundo. Sua disseminação recente pela Europa e pelas Américas significa que uma nova onda de extinções causada por nossa imprudência está prestes a começar.

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Referências:

Chaisiri, K., Dusitsittipon, S., Panitvong, N., Ketboonlue, T., Nuamtanong, S., Thaenkham, U., Morand, S., & Dekumyoy, P. (2018). Distribution of the newly invasive New Guinea flatworm Platydemus manokwari (Platyhelminthes: Geoplanidae) in Thailand and its potential role as a paratenic host carrying Angiostrongylus malaysiensis larvae. Journal of Helminthology, 1–9. https://doi.org/10.1017/S0022149X18000834

Justine, J.-L., Winsor, L., Gey, D., Gros, P., & Thévenot, J. (2014). The invasive New Guinea flatworm Platydemus manokwari in France, the first record for Europe: Time for action is now. PeerJ2, e297. https://doi.org/10.7717/peerj.297

Justine, J.-L., Winsor, L., Barrière, P., Fanai, C., Gey, D., Han, A. W. K., La Quay-Velázquez, G., Lee, B. P. Y.-H., Lefevre, J.-M., Meyer, J.-Y., Philippart, D., Robinson, D. G., Thévenot, J., & Tsatsia, F. (2015). The invasive land planarian Platydemus manokwari (Platyhelminthes, Geoplanidae): Records from six new localities, including the first in the USA. PeerJ3, e1037. https://doi.org/10.7717/peerj.1037

Kawakatsu, M., Oki, I., Tamura, S., Itô, H., Nagai, Y., Ogura, K., Shimabukuro, S., Ichinohe, F., Katsumata, H., & Kaneda, M. (1993). An extensive occurrence of a land planarian, Platydemus manokwari de Beauchamp, 1962, in the Ryûkyû Islands, Japan (Turbellaria, Tricladida, Terricola). 陸水生物学報 (Biology of Inland Waters)8, 5–14.

Muniappan, R., Duhamel, G., Santiago, R. M., & Acay, D. R. (1986). Giant African snail control in Bugsuk island, Philippines, by Platydemus manokwariOléagineux41(4), 183–186.

Ohbayashi, T., Okochi, I., Sato, H., & Ono, T. (2005). Food habit of Platydemus manokwari De Beauchamp, 1962 (Tricladida: Terrricola: Rhynchodemidae), known as a predatory flatworm of land snails in the Ogasawara (Bonin) Islands, Japan. Applied Entomology and Zoology40(4), 609–614. https://doi.org/10.1303/aez.2005.609

Sugiura, S. (2010). Prey preference and gregarious attacks by the invasive flatworm Platydemus manokwariBiological Invasions12(6), 1499–1507. https://doi.org/10.1007/s10530-009-9562-9

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*Creative Commons License Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons de Atribuição Não Comercial 4.0 Internacional

**Creative Commons License Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons de Atribuição 4.0 Internacional.

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Leimacopsis, uma planária lendária

por Piter Kehoma Boll

Durante os séculos XVIII e XIX, muitos naturalistas viajaram ao redor do mundo e descreveram centenas, milhares de espécies novas. Um destes naturalistas foi o austríaco Karl Ludwig Schmarda e, na sua viagem ao redor do planeta, ele explorou os Andes da Colômbia e lá encontrou um peculiar animal que considerou ser uma planária​. Conheça a história dessa criatura que até hoje nunca mais foi vista. Será que foi uma alucinação de Schmarda ou esse animal ainda espera por um reencontro no topo da cordilheira?

Essa é uma adaptação em vídeo de um antigo post deste blog que você pode ler aqui.

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Sexta Selvagem: Temnocéfala-Trapezoide

por Piter Kehoma Boll

Apesar de a maioria das pessoas só conhecer os platelmintos pelos seus grupos de espécies parasitas (monogêneos, trematódeos, cestódeos) e planárias de água doce, a diversidade do filo é muito maior. Um grupo peculiar é o dos temnocefálidos ou temnocéfalas, pequenas espécies comensais que vivem presas à superfície de animais de água doce, especialmente crustáceos e gastrópodes, mas também em tartarugas ou baratas-d’água.

Algumas espécies são conhecidas por viverem presas ao caranguejo-de-água-doce-comum, incluindo Temnocephala trapeziformis, uma espécie que só foi descrita em 2006. Sem um nome comum, eu decidi chamá-la de temnocéfala-trapezoide.

Três espécimes preservados com seu jeitão de “luva gordinha”. Barra = 1 mm. Créditos a Amato et al. (2006).*

O corpo da temnocéfala-trapezoide mede cerca de 2 a 3 mm de comprimento e possui o formato típico de outras temnocéfalas. Ela se parece com uma luva gordinha à primeira vista, com um corpo oval que possui cinco projeções parecidas com dedos na extremidade anterior e uma ventosa do lado ventral perto da extremidade posterior através da qual ela se prende ao hospedeiro. A boca fica um pouco atrás da extremidade anterior e se conecta a uma faringe cilíndrica curta. O nome trapeziformis vem do fato de esta espécie ter uma placa em forma de trapézio em torno de cada nefridióporo (os poros excretores).

As placas trapezoides que contornam os poros excretores (n) da temnocéfala-trapezoide dão a ela seu nome. Créditos a Amato et al. (2006).*

Sendo um ectossimbionte comensal, a temnocéfala-trapezoide não é um parasita e geralmente não causa grande problema ao hospedeiro, apesar de poder interferir na condição física do hospedeiro se ocorrer em grandes números. Apesar de a dieta da temnocéfala-trapezoide não ter sido estudada, ela provavelmente se alimenta de uma variedade de organismos unicelulares ou muito pequenos, como algas e pequenos crustáceos, da mesma forma que outras temnocéfalas.

Um espécime preservado e preparado mostrando a boca e a faringe (forma oval acima no meio), intestino (marrom), ventosa (círculo abaixo), testículos (dois círculos azuis maiores de cada lado) e cirro (pequeno tubo alongado abaixo do intestino ligeiramente à direita da linha mediana). Créditos a Amato et al. (2016).*

Temnocéfalas-trapezoides adultas podem ser encontradas em quase qualquer região da superfície do caranguejo, incluindo as cavidades dos olhos. Elas são hermafroditas e acasalam usando fertilização interna, entregando esperma através de uma estrutura semelhante a um pênis chamada de cirro. Ovos fertilizados são presos à superfície do hospedeiro, principalmente no quarto par de patas ambulatórias, mas também dos lados da carapaça e nas cavidades dos olhos. Quando os filhotes eclodem, já sendo versões pequenas dos adultos, geralmente se prendem ao mesmo caranguejo em que nasceram. À medida que o número de temnocéfalas aumenta, podemos imaginar que os caranguejos comecem a se incomodar e podem removê-las por autolimpeza.

Ovos presos às pernas (acima) e à cavidade ocular (abaixo) do caranguejo-de-água-doce-comum. Créditos a Amato et al. (2016).*

Uma temnocéfala-trapezoide desprendida pode sobreviver um bom tempo sem um hospedeiro se for capaz de conseguir alimento, mas seu lar ideal é sobre um caranguejo-de-água-doce-comum, onde ela pode não só encontrar alimento sem precisar andar por aí como também tem acesso a outros da mesma espécie para reprodução.

A diversidade e o papel ecológico das temnocéfalas são muito pouco estudados. Milhares de espécies desconhecidas estão por aí esperando ser descobertas e ter suas relações com seus hospedeiros melhor entendidas.

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Referências:

Amato JFR, Amato SB, Seixas SA (2006) A new species of Temnocephala Blanchard (Platyhelminthes, Temnocephalida) ectosymbiont on Trichodactylus fluviatilis Latreille (Crustacea, Decapoda, Trichodactylidae) from southern Brazil. Revista Brasileira de Zoologia 23(3): 796–805. https://doi.org/10.1590/S0101-81752006000300026 

Cannon LRG, Joffe BI (2000) The Temnocephalida. In: Littlewood DTJ, Bray RA (Eds.) Interrelationships of the Platyhelminthes. CRC Press.

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*Creative Commons License Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons de Atribuição Não Comercial 4.0 Internacional

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Sexta Selvagem: Verme-Fita-Comum-do-Cavalo

por Piter Kehoma Boll

Platelmintos são o quarto maior filo de animais depois de artrópodes, moluscos e cordados e a maioria das espécies conhecidas até o momento pertence ao clado Neodermata, o qual inclui espécies parasitas como as “aduelas” e os vermes-fita, alguns dos quais infectam humanos. Entre os vermes-fita, as espécies que infectam humanos e pertencem ao gênero Taenia, chamadas solitárias, são certamente as mais populares, mas estima-se que todos os vertebrados possam ter pelo menos um verme-fita como parasita, de forma que é só questão de tempo e oportunidade para descobri-los todos.

Entre as espécies conhecidas como parasitas de cavalos, a mais disseminada é Anoplocephala perfoliata, que decidi chamar de verme-fita-comum-do-cavalo. Como vermes-fita em geral, o verme-fita-comum-do-cavalo adulto vive no intestino de seu hospedeiro definitivo, neste caso um cavalo.

Diferente de espécies de Taenia, que podem crescer até vários metros de comprimento, espécies de Anoplocephala são muito menores. O corpo inteiro de espécimes adultos mede cerca de 5 a 8 cm de comprimento e 1 a 2 cm de largura, e é dividido nas mesmas partes vistas em outros vermes-fita. A parte mais anterior do corpo incluir o escólex, que possui quatro grandes ventosas. Apesar de o escólex da maioria dos vermes-fita medir menos de 1 mm, no verme-fita-comum-do-cavalo ele atinge até 3 mm.

Um espécime preservado. Foto extraída de alchetron.com

Após o escólex há um pequeno pescoço de tecido não diferenciado que cresce constantemente para produzir novas proglótides, as quais formam o resto do corpo. As proglótides são conectadas uma à outra como uma corrente e as mais posteriores são continuamente perdidas e soltas no ambiente. Cada proglótide contém órgãos sexuais masculinos e femininos e é liberada quando contém ovos maduros.

Proglótides maduras são liberadas no ambiente através das fezes dos cavalos e liberam os ovos no solo e na vegetação. Os ovos podem sobreviver até 9 meses fora de um hospedeiro. Durante esse tempo, eles esperam ser acidentalmente ingeridos por ácaros oribatídeos que vivem em pastagens. Se isso acontece, os ovos eclodem dentro do ácaro devido à ação mecânica das partes bucais dos ácaros e liberam a larva de primeiro ínstar chamada de oncosfera.

Ovo de Anoplocephala perfoliata. A pequena esfera de 20 µm de diâmetro é a encosfera esperando para ser liberada. Foto de Martin K. Nielsen, extraída de msdvetmanual.com

Quando a oncosfera atinge o intestino do ácaro, é ativada, provavelmente via íons neste ambiente, e usa um grupo de ganchos para penetrar os tecidos do ácaro. Após cerca de 8 a 20 semanas, a oncosfera se desenvolve em um cisticercoide. Este estágio se parece com um verme-fita em miniatura invertido dentro de uma vesícula em forma de bexiga, já contendo um protoscólex dentro.

Enquanto os cavalos estão pastando, eles sempre ingerem alguns invertebrados junto com a grama. Se eles por acaso ingerirem um ácaro infectado, os cisticercoides são liberados durante a digestão, evertem o protoscólex e se prendem às paredes intestinais do cavalo. Lá, o verme-fita se desenvolve num adulto, recomeçando o ciclo.

Presos ao intestino dos cavalos, os vermes-fita não se alimentam do sangue ou de outros tecidos como muitos parasitas fazem. Em vez disso, eles coletam nutrientes diretamente do trato digestivo do cavalo, absorvendo-os pela superfície do corpo.

Por muito tempo se pensou que o verme-fita-comum-do-cavalo fosse um parasita inofensivo, visto que a maioria dos cavalos não apresenta nenhum sintoma e os vermes costumam ser descobertos apenas ao se dissecar o cavalo após sua morte por outras causas. As áreas preferidas para o verme-fita-comum-do-cavalo se prender são o ceco e a junção ileocecal, mas em animais com infecções severas alguns indivíduos podem ser encontrados em locais subótimos através dos intestinos delgado e grosso. Em cavalos tão infectados, os vermes-fita podem causar cólicas e mesmo obstrução intestinal.

Um grande número de vermes-fita adultos em um cavalo com uma infecção severa. Créditos a Tomczuk et al. (2014).*

O verme-fita-comum-do-cavalo pode infectar outros equídeos também, como burros e zebras. Ironicamente, cavalos domesticados são os indivíduos mais infectados justamente porque os donos os tratam com anti-helmínticos. A maioria dos medicamentos anti-helmínticos modernos não afetam vermes-fita e só removem outros parasitas, como nematódeos, o que reduz a competição e permite que os vermes-fita proliferem.

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Mais platelmintos parasitas:

Sexta Selvagem: Verme-listrado-de-verde (em 9 de março de 2018)

Sexta Selvagem: Aduela-do-Salmão (em 11 de janeiro de 2019)

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Referências:

Gasser RB, Williamson RMC, Beveridge I (2005) Anoplocephala perfoliata of horses – significant scope for further research, improved diagnosis and control. Parasitology 131(1): 1–13. https://doi.org/10.1017/S0031182004007127

Tomczuk K, Kostro K, Szczepaniak KO, Grzybek M, Studzińska M, Demkowska-Kutrzepa M, Roczeń-Karczmarz M (2014) Comparison of the sensitivity of coprological methods in detecting Anoplocephala perfoliata invasions. Parasitology Research 113(6): 2401–2406. doi: 10.1007/s00436-014-3919-4

Wikipedia. Anoplocephala perfoliata. Available at < https://en.wikipedia.org/wiki/Anoplocephala_perfoliata >. Access on 11 June 2020.

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*Creative Commons License Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons de Atribuição 4.0 Internacional.

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Sexta Selvagem: Macróstomo-de-Lignano

por Piter Kehoma Boll

É hora de voltar aos fascinantes platelmintos e hoje decidi falar sobre uma das espécies mais bem estudadas neste grupo mesmo tendo sido apenas descrita formalmente 15 anos atrás. Seu nome é Macrostomum lignano, ou o macróstomo-de-Lignano.

Macrostomum lignano. Foto de Lukas Schärer.**

Medindo 1 a 2 mm de comprimento, o macróstomo-de-Lignano pertence à ordem Macrostomida, um dos grupos mais basais de platelmintos. Seu corpo é alongado e transparente e há dois olhos pequenos perto da extremidade anterior, a qual possui um pequeno rostro (“focinho”). A boca é um pouco para trás do rostro. A extremidade posterior é larga, formando uma placa caudal com muitos órgãos adesivos arranjados em forma de U.

Morfologia básica do macróstomo-de-lignano. Extraído e traduzido de Lengerer et al. (2014).*

O macróstomo-de-Lignano foi coletado pela primeira vez em amostras marinhas na cidade de Lignano na costa do Mar Adriático no norte da Itália em 1995 e logo revelou ser bem adequado para culturas em laboratório. O ambiente natural desta espécie inclui a areia e outros sedimentos perto da costa. Ele evita a luz e, quando em repouso, permanece preso ao substrato pela placa caudal. Sua dieta inclui pequenos organismos, especialmente diatomáceas, as quais ingere usando sua faringe cilíndrica, similarmente a como a maioria dos platelmintos come.

Também como a maioria dos platelmintos, o macróstomo-de-Lignano e outros macrostômidos possuem células-tronco especiais chamadas neoblastos que preenchem seu corpo. Todas as células diferenciadas no corpo vêm de neoblastos e são continuamente substituídas por eles, visto que células diferenciadas não conseguem continuar reproduzindo. Os neoblastos também dão ao macróstomo-de-Lignano sua impressionante habilidade regenerativa como a de muitos outros platelmintos, como as planárias.

Mesmo antes de sua descrição formal em 2005, o macróstomo-de-Lignano já havia sido identificado como um potencialmente novo organismo modelo. Ele pode ser facilmente criado em laboratório em placas de Petri e alimentado com diatomáceas. Seu corpo possui cerca de 25000 células, o que é um número pequeno o bastante para facilitar estudos de desenvolvimento, regeneração, envelhecimento e expressão gênica e isso é exatamente o que vem sendo feito nas últimas décadas.

O macróstomo-de-Lignano é hermafrodita. Seu corpo contém dois testículos e dois ovários, e o aparelho copulador masculino contém um estilete, um órgão copulador enrijecido semelhante a um pênis. Quando dois macróstomos acasalam, eles tocam suas superfícies ventrais num estilo yin yang (assim como os carinhas da semana passada) e trocam esperma. Este comportamento é facilmente observado em laboratório e levou o macróstomo-de-Lignano a se tornar um organismo modelo para o estudo de seleção sexual também. Mas peraí! Seleção sexual num organismo hermafrodita? Sim! Eu discuti este tópico algum tempo atrás aqui.

Dois macróstomos-de-Lignano acasalando na posição yin yang. Foto de Lukas Schärer.***

Às vezes, quando dois macróstomos se encontram, eles não acham seu parceiro tão atraente, então ter seus ovos fertilizados por aquele cara não é de interesse de seu lado feminino. Contudo o lado masculino ainda é tão macho como qualquer outro e quer fertilizar tantos ovos quanto possível. Como resultado, se o parceiro não é bom o bastante, eles ainda o querem como fêmea mas não como macho. Mas o outro cara não está interessado em ser apenas fêmea, assim a cópula só ocorre se os dois parceiros aceitarem receber o esperma um do outro. “Eu deixo você fertilizar meus ovos se você me deixar fertilizar os seus.” Então é isso que eles fazem.

Um par de Macrostomum lignano acasalando. Veja como o branco, no final, se inclina sobre si mesmo e chupa o esperma do outroo cara para fora do poro feminino para se livrar dele. Note, no entanto, no último desenho, que os espermatozoides ainda estão presos ao poro feminino Não funcionou. Imagem extraída de Schärer et al. (2004).

Contudo depois de entregarem o esperma no corpo um do outro, eles se separam e podem nunca mais se ver de novo. Assim o lado feminino evoluiu uma estratégia para selecionar melhor o esperma. Quando o “parceiro ruim” se afasta, um macróstomo que recebeu esperma de baixa qualidade se curva sobre si mesmo, conecta a faringe ao poro genital feminino e chupa o esperma do outro cara para fora antes que ele tenha chance de fertilizar os ovos. Uma estratégia esperta, certo? Mas lembre-se: assim como este cara está tentando se livrar do esperma do outro, o outro pode estar fazendo o mesmo com o esperma deste. Assim uma estratégia precisa evoluir para prevenir a personalidade feminina de descartar o esperma. E isso é exatamente o que aconteceu! Os espermatozoides do macróstomo-de-Lignano possuem cerdas rígidas apontando para trás que, quando a célula é puxada para trás, entram nos tecidos do aparelho copulador feminino e ficam presos. Tentar puxar o esperma para fora é como tentar puxar espinhos de um porco-espinho para fora da pele.

Veja o comportamento em vídeo.

Agora o lado masculino recuperou a vantagem que o lado feminino teria se as cerdas não estivessem ali. Mas isso é a evolução, e seus efeitos em hermafroditas é como ter duas personalidades diferentes lutando uma contra a outra no mesmo corpo.

A vida não é fácil em lugar nenhum.

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Referências e leitura adicional:

Egger B, Ladurner P, Nimeth K, Gschwentner R, Rieger R (2006) The regeneration capacity of the flatworm Macrostomum lignano—on repeated regeneration, rejuvenation, and the minimal size needed for regeneration. Development Genes and Evolution 216:565–577. doi: 10.1007/s00427-006-0069-4

Ladurner P, Schärer L, Salvenmoser W, Rieger RM (2005) A new model organism among the lower Bilateria and the use of digital microscopy in taxonomy of meiobenthic Platyhelminthes: Macrostomum lignano, n. sp. (Rhabditophora, Macrostomorpha). Journal of Zoological Systematics and Evolutionary Research 43(2):114–126. doi: 10.1111/j.1439-0469.2005.00299.x

Lengerer B, Pjeta R, Wunderer J et al. (2014) Biological adhesion of the flatworm Macrostomum lignano relies on a duo-gland system and is mediated by a cell type-specific intermediate filament protein. Frontiers in Zoology 11:12. doi: 10.1186/1742-9994-11-12

Mouton S, Willems M, Braeckman BP, Egger B, Ladurner P, Schärer L, Borgonie G (2009) The free-living flatworm Macrostomum lignano: A new model organism for ageing research. Experimental Gerontology 44(4):243–249. doi: 10.1016/j.exger.2008.11.007

Pfister D, De Mulder K, Hartenstein V et al. (2008) Flatworm stem cells and the germ line: Developmental and evolutionary implications of macvasa expression in Macrostomum lignano. Developmental Biology 319(1):146–159. doi: 10.1016/j.ydbio.2008.02.045

Pfister D, De Mulder K, Philipp I et al. (2007) The exceptional stem cell system of Macrostomum lignano: Screening for gene expression and studying cell proliferation by hydroxyurea treatment and irradiation. Frontiers in Zoology 4:9. doi: 10.1186/1742-9994-4-9

Schärer L, Joss G, Sandner P (2004). Mating behaviour of the marine turbellarian Macrostomum sp.: these worms suck, Marine Biology145 (2) doi: 10.1007/s00227-004-1314-x

Wasik K, Gurtowski J, Zhou X et al. (2015) Genome and transcriptome of the regeneration-competent flatworm, Macrostomum lignano. PNAS 112(40):12462–12467. doi: 10.1073/pnas.1516718112

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*Creative Commons License Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons de Atribuição 4.0 Internacional.

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***Creative Commons License Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons de Atribuição 2.0 Genérica.

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