Arquivo da categoria: Vírus

Sexta Selvagem: Nematódeo-Adaga-de-Brown

por Piter Kehoma Boll

Nematódeos são famosos por causa de seus membros parasitas, os quais não parasitam só animais, mas plantas também. Pessoas que trabalham com jardinagem ou agricultura talvez saibam que às vezes uma planta fica doente por causa de “nematódeos”.

Um gênero de nematódeos que é comumente associado a videiras é Xiphinema, cujas espécies são conhecidas como nematódeos-adaga. As duas espécies mais estudadas são Xiphinema americanum, o nematódeo-adaga-americano, e Xiphinema index, o nematódeo-adaga-da-Califórnia, mas durante as últimas décadas ficou claro que essas espécies são na verdade um complexo de espécies muito similares e novas são constantemente descritas. Uma delas, descrita em 2016, é Xiphinema browni, a qual decidi chamar de nematódeo-adaga-de-Brown. Esta espécie foi nomeada em homenagem ao nematólogo Derek J. F. Brown.

O nematódeo-adaga-de-Brown foi encontrado associado a raízes de videiras e macieiras na Eslováquia e na República Tcheca. Entre as 86 fêmeas identificadas, havia apenas um macho, indicando que há uma enorme disparidade na razão sexual e é provável que as fêmeas sejam partenogenéticas, isto é, podem pôr ovos férteis sem serem fertilizadas por um macho. As fêmeas medem até 2.5 mm de comprimento e o único macho conhecido media 1.8 mm.

Fêmea (esquerda) e macho (direita) de Xiphinema browni. Modificado de Lazarova et al. (2020).*

Como o nematódeo-adaga-de-Brown foi encontrado associado a videiras, seu ciclo de vida provavelmente é similar ao da maioria dos nematódeos-adaga. Os adultos são parasitas externos das raízes de videiras e eventualmente de outras plantas lenhosas. Eles vivem na superfície das raízes e usam seus longos odontóstilos (uma probóscide em forma de agulha) para perfurar as raízes e sugar o conteúdo de seu tecido vascular. Como reação, a planta produz galhas inchadas em forma de clava na ponta das raízes. A raiz então se ramifica atrás da ponta inchada, apenas para ser atacada de novo, desenvolvendo outra galha e tendo que se ramificar de novo. Isso começa a enfraquecer a planta, o que pode comprometer a produção de uvas.

As fêmeas põem os ovos espalhaos pelo solo, sem formar aglomerados, e os jovens passam por quatro estágios no solo antes de passarem para o modo parasita.

Extremidade anterior de uma fêmea com o odontóstilo ligeiramente exposto. Modificado de Lazarova et al. (2020).*

Sendo outro nematódeo-adaga que se alimenta de videiras, o nematódeo-adaga-de-Brown provavelmente também é um vetor do vírus da degenerescência da videira, o qual é transmitido a videiras pelo nematódeo-adaga-da-Califórnia. Isso acontece quando o nematódeo se alimenta de uma planta infectada e então se desloca para uma planta saudável, levando o vírus consigo. A degenerescência da videira cause clorose (perda de clorofila) e distorce as folhas, fazendo-as ficarem parecidas com um leque, de onde o nome em inglês da doença ser “grapevine fanleaf” (folha-de-leque da videira). Como você pode imaginar, a pobre planta fica ainda mais fraca do que já estava pelos nematódeos que a sugavam. Isso pode ser um pesadelo para viticultores.

O vírus da degenerescência da videira pode ser uma doença devastadora para as videiras, mas no corpo do nematódeo ele parece ter efeitos benéficos, aumentando a sobrevivência desses pequenos vermezinhos. Talvez isso estimule os nematódeos-adaga a disseminá-lo numa espécie de “coalizão do mal”.

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Referências:

Lazarova S, Peneva V, Kumari S (2016) Morphological and molecular characterisation, and phylogenetic position of X. browni sp. n., X. penevi sp. n. and two known species of Xiphinema americanum-group (Nematoda, Longidoridae). ZooKeys 574:1–42. https://doi.org/10.3897/zookeys.574.8037

van Zyl S, Vivier MA, Walker MA (2012) Xiphinema index and its Relationship to Grapevines: A review. South African Journal of Enology and Viticulture 33(1):21–32.

Wikipedia. Xiphinema. Available at <https://en.wikipedia.org/wiki/Xiphinema>. Access on 29 June 2020.

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*Creative Commons License Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons de Atribuição 4.0 Internacional.

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Combatendo mosquitos Aedes com plantas carnívoras

por Piter Kehoma Boll

Dois mosquitos do gênero Aedes, Aedes aegypti e Aedes albopictus, são espécies invasoras em regiões tropicais e subtropicais a nível global. Enquanto A. aegypti é nativo da África, A. albopictus é originalmente do sudeste da Ásia, mas ambas as espécies foram disseminadas por humanos e continuam a expandir sua área de ocorrência.

As duas espécies são conhecidas como vetores de várias doenças que afetam humanos, especialmente aquelas causadas por espécies de Flavovirus, o que inclui febre amarela, dengue e zika. Chikungunya, causada por uma espécie de Alphavirus, também é transmitida a humanos por eles. Além disso, eles também podem transmitir alguns nematódeos, como o verme-do-coração que infecta o coração de cães e outros carnívoros.

Aedes aegypti picando um humano e tendo uma deliciosa e sangrenta refeição. Foto de James Gathany.

Por A. aegypti e A. albopictus serem uma ameaça tão grande à saúde pública, se livrar deles é prioridade. Aqui no Brasil, há uma campanha nacional massiva para reduzir a habilidade de Aedes de se reproduzir. Para isso, recomenda-se evitar recipientes com água parada em locais abertos, tal como vasos de flores, baldes, barris, pneus usados e praticamente tudo que possa reter água tempo o bastante para o desenvolvimento das larvas. Tenho que dizer, no entanto, que isso tudo parece ser em vão. Os mosquitos continuam a se espalhar e os casos de dengue continuam a aumentar. O fato é que os mosquitos vão achar um lugar para porem seus ovos. Se eles não encontrarem no quintal, encontrarão na floresta ou num terreno baldio.

Em vez de forçá-los a porem os ovos onde não podemos ver, deveríamos estimulá-los a porem os ovos em torno de nós e então matar as larvas. Vários predadores aquáticos já foram testados como aliados potenciais, incluindo peixes larvívoros, ninfas de libélula, copépodes, planárias e até outros mosquitos cujas larvas comem larvas de Aedes! O uso destes predadores apresentou resultados diversos. Peixes larvívoros são difíceis de manter em tanques em casa e ninfas de libélula são generalistas demais como predadores.

Agora um novo predador foi sugerido: uma planta! Sim, uma planta carnívora do gênero Utricularia, que inclui espécies conhecidas em inglês como bladderworts. Em português costumam ser chamadas simplesmente de utriculárias. Estas plantas aquáticas possuem estruturas em forma de bexiga (bladder em inglês) que funcionam como armadilhas para capturar pequenos animais. A bexiga é oca e possui uma pressão interna negativa em relação ao ambiente que a envolve. Essa pressão negativa é criada por água sendo constantemente bombeada para fora da bexiga através das paredes por transporte ativo. A abertura da bexiga é coberta por uma pequena tampa que impede que a água a reencha quando a armadilha está armada. Em volta da tampa, há um grupo de protuberâncias em forma de cerdas. Quando um animal está se movendo pela água e move uma dessas cerdas, elas deformam a tampa ligeiramente, quebrando o selo e permitindo que água entre na bexiga. A pressão negativa então suga água rapidamente para dentro, arrastando o animal consigo. Aí é só questão de tempo para o pobre bichinho ser digerido.

Veja a planta em ação.

Um grupo de pesquisadores da Universidade de Rhode Island, EUA, testou se Utricularia macrorhiza, a utriculária-comum-norte-americana, poderia ser um predador eficiente de larvas de mosquitos. Adicionando U. macrorhiza a tanques com as larvas de A. aegypti e A. albopictus, eles conseguiram matar de 95 a 100% das larvas em apenas 5 dias. Esse é um ótimo resultado, não acham?

Utriculária com várias larvas de Aedes (marcadas com asteriscos) em suas armadilhas. Créditos a Couret et al. (2020).*

Como utriculárias são muito mais fáceis de criar em tanques e outros recipientes no quintal do que animais predadores como peixes e libélulas, elas são uma nova alternativa promissora para o controle das populações destes insetos transmissores de doenças.

Então, está animado em criar umas plantas carnívoras aquáticas para ajudar a combater esses mosquitos hediondos?

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Referências:

Couret J, Notarangelo M, Veera SLeClaire-Conway N, Ginsberg HS, LeBrun RL (2020) Biological control of Aedes mosquito larvae with carnivorous aquatic plant, Utricularia macrorhizaParasites Vectors 13, 208. https://doi.org/10.1186/s13071-020-04084-4

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*Creative Commons License Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons de Atribuição 4.0 Internacional.

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O que é um coronavírus? Uma breve introdução a vírus, vírus de RNA e coronavírus

por Piter Kehoma Boll

Read it in English

Então, estamos passando por um tipo de apocalipse como todos sabem. Um vírus agressivo e contagioso se espalhou pelo mundo todo e está causando um grande impacto em nossa sociedade, matando milhares de pessoas e acabando com a economia.

Mas não estou aqui para falar sobre como se proteger do vírus e quem é mais vulnerável a ele. Você pode encontrar essa informação virtualmente em todo lugar (mas não acredite nas besteiras que Karen, a anti-vacina, ou o seu tio Airton, o bolsominion, estão espalhando pelo Whatsapp. Isso é pior que o vírus). Igualmente eu não estou aqui para mostrar como essa pandemia é um resultado direto de nossa sociedade capitalista falha e como as porras dos ricos deveriam ser decapitados de uma vez por todas. Não. Eu farei uma abordagem mais biológica e explicarei um pouco sobre o que é um vírus de um ponto de vista estrutural, funcional e taxonômico.

Então vamos começar com o que é um vírus.

Um vírus é basicamente um monte de m… material genético parasita que infecta células para se reproduzir. Os vírus não são bem seres vivos já que não possuem nem células nem metabolismo. No entanto eles precisam de células para se reproduzirem. Todos os vírus são compostos de um pedaço de ácido nucleico (ou DNA ou RNA) e um capsídeo, uma “caixa” que protege o ácido nucleico. O capsídeo geralmente é formando por muitas cópias de uma ou duas proteínas que são codificadas no material genético do vírus. Cada molécula individual de proteína do capsídeo é chamada de capsômero.

Esquema de um vírus helicoidal mostrando o capsídeo em verde e o material genético em azul. Créditos a Anderson Brito.*
O vírus do mosaico do tabaco (Tobacco mosaic virus) que infecta pés de tabaco e outras plantas, possui um capsídeo helicoidal típico.

A maioria dos vírus possui um capsídeo helicoidal ou icosaédrico. Em um capsídeo helicoidal, os capsômeros são dispostos helicoidalmente e formam um tubo alongado e oco dentro do qual o material genético fica localizado. Em capsídeos icosaédricos, os capsômeros se arranjam para formar um icosaedro, isto é, um poliedro com 20 faces, que envolve o material genético.

Esquema de um vírus icosaédrico com um capsídeo icosaédrico (em verde) em volta do material genético (em vermelho). Créditos a Anderson Brito.*
Adenovírus são um exemplo de vírus com capsídeo icosaédrico. Foto de Graham Beards.**

Muitos vírus possuem uma camada adicional, o envelope, que envolve o capsídeo. O envelope é uma camada bilipídica atravessada por glicoproteínas, como as membranas celulares dos organismos vivos, e é formada pela membrana celular ou por uma membrana interna da célula em que o vírus nasceu. Ele é, portanto, muito similar à membrana celular do hospedeiro do vírus.

Esquema de um vírus icosaédrico envelopado. A camada bilipídica é mostrada em cinza e as glicoproteínas em laranja. Créditos a Anderson Brito.*

Considerando o tipo de ácido nucleico encontrado em vírus, eles podem ser classificados em três grupos principais: vírus de DNA, vírus de RNA e retrovírus.

Vírus de DNA possuem DNA como seu ácido nucleico. Quando eles infectam a célula, eles seguem até o núcleo, onde dependem inteiramente da maquinaria da célula para se reproduzirem, ou seja, eles usam a DNA-polimerase do hospedeiro para produzir novas cadeias de DNA e a RNA-polimerase do hospedeiro para construir RNA viral que será, por sua vez, convertido em proteínas do capsídeo usando os ribossomos da célula. Os vírus de DNA sofrem pouca mutação porque as enzimas DNA-polimerase possuem uma habilidade revisora, isto é, elas podem detectar erros durante a replicação e consertá-los. Vírus como Herpesvirus (que causam herpes e catapora), Poxvirus (que inclui o agora extinto vírus da Varíola) e Adenovirus são todos vírus de DNA.

Human alphaherpesvirus 3 (HHV-3) é um vírus de DNA icosaédrico e envelopado que causa catapora e herpes-zóster (cobreiro) em humanos.

Vírus de RNA, também chamados de ribovírus, por outro lado, possuem RNA como seu ácido nucleico. Quando eles infectam uma célula, geralmente permanecem no citoplasma. Diferente dos vírus de DNA, os vírus de RNA possuem sua própria RNA-polimerase e a usam para produzir novas cópias, mas ainda dependem dos ribossomos do hospedeiro para construir os capsídeos e fazer novas cópias da RNA-polimerase. Como enzimas RNA-polimerase não possuem a habilidade revisora das DNA-polimerases, vírus de RNA sofrem mutação rapidamente. Muitas doenças humanas são causadas por vírus de RNA, incluindo resfriado comum, gripe, ebola, febre amarela, dengue, zika, hepatite C, raiva, poliomielite, sarampo, bem como COVID-19, causada pelo atual coronavírus apocalíptico.

Yellow fever virus, o vírus da febre amarela, é um vírus de RNA icosaédrico e envelopado.

Retrovírus, o último tipo de vírus, possuem RNA como seu ácido nucleico. Contudo, diferente dos vírus de RNA, os retrovírus não produzem cópias novas diretamente de seu RNA usando uma RNA-polimerase. Em vez disso, eles possuem outro tipo de enzima, chamada transcriptase reversa, que constrói uma fita de DNA a partir do RNA. Esse DNA viral é então incorporado no DNA da célula hospedeira por uma enzima integrase. Retrovírus, portanto, mudam o genoma do hospedeiro, isto é, eles produzem um “híbrido” deles mesmos com o hospedeiro. A célula infectada então transcreve o DNA viral de volta em RNA, fazendo várias cópias e permitindo que o vírus se reproduza. Os retrovírus mais famosos a infectar humanos são o vírus da imunodeficiência humana (Human immunodeficiency virus, HIV) e o vírus da Hepatite B (Hepatitis B virus).

Human Imunodeficiency Virus 1 (HIV-1) é um retrovírus icosaédrico envelopado que causa AIDS em humanos.

Mas agora vamos nos focar na nossa atual celebridade, SARS-CoV-2, coloquialmente conhecido como o coronavírus. Este vírus, que está causando o apocalipse atual, é uma nova linhagem, descoberta no final de 2019, do coronavírus relacionado à síndrome respiratória aguda severa ((Severe acute respiratory syndrome-related coronavirus (SARSr-CoV)). O surto anterior de SARS entre 2002 e 2004 foi causado por outra linhagem desta mesma espécie, SARS-CoV, agora frequentemente referida como SARS-CoV-1. O vírus pertence ao gênero Betacoronavirus e à família Coronaviridae. Todos os membros da família Coronaviridae são frequentemente chamados de “coronavírus” e as espécies atualmente conhecidas infectam aves e mamíferos.

SARS-COV-2 com cores artificiais mostrando a “coroa” (em laranja) formada pelas glicoproteínas em forma de bastão do envelope.

Coronavírus são vírus de RNA, como mencionei acima, e possuem um capsídeo helicoidal, bem como um envelope. O envelope contém grandes glicoproteínas em forma de bastão que aparecem como projeções na superfície do vírus e, em micrografias eletrônicas, se parecem com a coroa solar, de onde o nome coronavirus (corona, coroa em latim). O envelope é construído a partir da membrana do retículo endoplasmático do hospedeiro e possui glicoproteínas de origem viral, incluindo as glicoproteínas em forma de bastão que caracterizam esses vírus.

A presença deste envelope em torno do capsídeo possui vantagens e desvantagens para os coronavírus e qualquer outro vírus envelopado. Como este envelope é basicamente um pedaço da célula hospedeira, vírus envelopados podem se esgueirar para dentro de hospedeiros novos mais facilmente porque o sistema imunológico leva algum tempo para reconhecê-los como invasores, visto que eles estão “em pele de hospedeiro”. Por outro lado, este envelope é muito frágil quando exposto ao ambiente externo e degrada muito rapidamente, de forma que o vírus precisa de contato próximo entre um hospedeiro infectado e um novo hospedeiro para se espalhar. Também é por isso que lavar as mãos com sabão mata o vírus tão facilmente. Se o vírus não estivesse envelopado, isto é, tivesse somente seu capsídeo, ele seria muito mais resistente.

As glicoproteína em forma de bastão do envelope viral também são responsáveis pela habilidade do vírus de infectar. Estas glicoproteínas se conectam à enzima conversora de angiotensina 2 (angiotensin-converting enzyme 2 (ACE2)), uma enzima que é encontrada na superfície de muitas células humanas. A ACE2 é especialmente abundante nos pulmões, sendo este o motivo pelo qual este é o órgão que mais sofre durante uma infecção de SARS-CoV.

Os principais gêneros dentro da família Coronaviridae são Alphacoronavirus, Betacoronavirus, Gammacoronavirus e Deltacoronavirus. A maioria das espécies conhecidas de Alpha– e i infectam morcegos, então é provável que o ancestral desses gêneros fosse originalmente um vírus específico de morcegos que mais tarde mutou e adquiriu a habilidade de infectar outras espécies. Todos os coronavírus que infectam humanos pertencem a estes dois gêneros e incluem, além do SARS-CoV, também o MERS-CoV (que causa a Síndrome Respiratória do Oriente Médio) e vários vírus que causam sintomas brandos semelhantes a um resfriado, como HCoV-HKU1, HCoV-NL63 e HCoV-229E. Espécies de Gammacoronavirus infectam principalmente aves, mas ao menos uma espécie, Coronavirus HKU15, causa diarreia em porcos. O gênero Deltacoronavirus inclui o coronavírus aviário (Avian coronavirus (IBV)), que causa bronquite infecciosa em aves, e o coronavírus da beluga SW1 (Beluga whale coronavirus SW1), o único coronavírus conhecido que infecta um mamífero marinho.

Avian coronavirus. As glicoproteínas em forma de bastão são claramente visíveis no envelope.

O genoma dos coronavírus possui cerca de 30 mil nucleotídeos, sendo um dos maiores genomas entre vírus de RNA. O único vírus de RNA conhecido que possui um genoma maior, com cerca de 41 mil nucleotídeos, foi descoberto em 2018 e infecta… adivinha… planárias! Chamado de “nidovírus das células secretoras de planária” (Planarian secretory cell nidovirus (PSCNV)), ele pertence à ordem Nidovirales, que inclui os coronavírus e muitos outros vírus de RNA, mas parece ter se divergido da maioria dos membros de Nidovirales muito, muito tempo atrás. Talvez eu fale mais desse vírus específico e as implicações de sua descoberta numa postagem futura.

Vamos concluir esta postagem com uma rápida revisão do que aprendemos sobre SARS-CoV-2, o “coronavírus”:

  • Ele é um vírus de RNA, ou seja, possui grande potencial de mutação e é capaz de criar cópias de si mesmo no citoplasma do hospedeiro, sendo quase um vírus autossuficiente;
  • Ele possui um capsídeo helicoidal em torno do RNA;
  • Ele possui um envelope derivado da membrana do retículo endoplasmático do hospedeiro, que é a razão pela qual pode ser morto tão facilmente com água e sabão;
  • Este envelope inclui grandes glicoproteínas em forma de bastão que o fazem parecer uma coroa solar em micrografias eletrônicas, de onde o nome coronavirus;
  • Ele é um membro do gênero Betacoronavirus, que inclui várias espécies conhecidas por infectarem morcegos, e esta é a razão pela qual sua origem numa sopa de morcego chinesa é muito provável.

Espero que esta postagem tenha ajudado você a ver mais desse vírus do que apenas sua habilidade de colapsar sociedades humanas.

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Referências e leitura adicional:

Saberi A, Gulyaeva AA, Brubacher JL, Newmark PA, Gorbalenya AE (2018) A planarian nidovirus expands the limits of RNA genome size. PLoS Pathogens 14(11):e1007314. doi: 10.1371/journal.ppat.1007314

Wikipedia. DNA virus. Disponível em < https://en.wikipedia.org/wiki/DNA_virus >. Acesso em 4 de abril de 2020.

Wikipedia. Retrovirus. Disponível em < https://en.wikipedia.org/wiki/Retrovirus >. Acesso em 4 de abril de 2020.

Wikipedia. RNA virus. Disponível em < https://en.wikipedia.org/wiki/RNA_virus >. Acesso em 4 de abril de 2020.

Wikipedia. Virus. Disponível em < https://en.wikipedia.org/wiki/Virus >. Acesso em 4 de abril de 2020.

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*Creative Commons License Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons de Atribuição e Compartilhamento Igual 3.0 Não Adaptada.

**Creative Commons License Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons de Atribuição 3.0 Não Adaptada.

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Zika vírus e a negligência em relação à pesquisa em saúde em países pobres

por Piter Kehoma Boll

Cerca de um ano atrás, quase ninguém no mundo todo estava ciente da existência de um vírus chamado Zika vírus e da doença que ele pode causar em humanos, a febre Zika (ou zica). Mas este é um vírus novo, anteriormente desconhecido? De onde ele veio e por que é subitamente tão preocupante?

O Zika vírus, ou ZIKV, é um vírus no gênero Flavivirus, que também inclui outros vírus, tal como os responsáveis pela dengue e pela febre amarela. O nome Flavivirus, “vírus amarelo” em Latim, é devido à febre amarela. Todas as três doenças são transmitidas a humanos através de mosquitos, especialmente o amplamente distribuído Aedes aegypti.

O mosquito Aedes aegypti é atualmente o principal vetor do Zika vírus. Foto de James Gathany.

O mosquito Aedes aegypti é atualmente o principal vetor do Zika vírus. Foto de James Gathany.

O Zika vírus foi descoberto em 1947 em Uganda em um macaco rhesus febril na Floresta Zika, de onde o nome. A partir de 1951, estudos serológicos indicaram que o vírus também poderia infectar humanos, visto que anticorpos contra o vírus foram encontrados no sangue de humanos em vários países africanos e asiáticos, como República Centro-Africana, Egito, Gabão, Serra Leoa, Tanzânia, Uganda, Índia, Indonésia, Malásia, Filipinas, Tailândia e Vietnã.

Em 1968, na Nigéria, o vírus foi isolado de humanos pela primeira vez. Durante as décadas seguintes do século XX, o vírus foi detectado por evidência sorológica ou diretamente isolado em muitos humanos. Contudo apesar da confirmação deste vírus em humanos, a pesquisa se desenvolveu muito lentamente, provavelmente porque os países afetados não possuem recursos suficientes para conduzir os estudos necessários e os países mais ricos não estão de forma alguma interessados na saúde dos pobres.

Houve um pequeno aumento na preocupação em relação ao vírus depois que ele foi detectado fora da África e da Ásia pela primeira vez, em 2007, na Ilha Yap, Micronésia. Depois disso, algumas epidemias ocorreram em vários arquipélagos no Pacífico.

Desde o ano passado, o Zika vírus foi detectado na América do Sul e passou a se espalhar rapidamente através dos países. Foi sugerido que o vírus chegou ao Brasil em 2014 durante a Copa do Mundo. (Valeu, FIFA!). Em novembro de 2015, a doença chegou ao México, o que significa que está prestes a alcançar os Estados Unidos! Agora subitamente ela se tornou de grande preocupação mundialmente.

Distribuição atual conhecida do Zika vírus em humanos. Mapa dos Centros para Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos.

Distribuição atual conhecida do Zika vírus em humanos. Mapa dos Centros para Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos.

Sintomas comuns da febre Zika incluem dores de cabeça fracas, febre, dores nas juntas e vermelhidão na pele. Ela não era considerada uma doença séria, visto que os sintomas tendem a desaparecer depois de uma semana, até recentemente, quando foi relacionada com o desenvolvimento de microcefalia em fetos de mães infectadas pelo vírus durante o primeiro trimestre de gestação.

Quantas crianças será que nasceram com microcefalia na África e na Ásia durante as últimas décadas devido à falta de investimento para estudar o vírus? Agora que ele subitamente se tornou uma ameaça mundial, não há vacina nem tratamento adequado e a maioria dos médicos não é capaz de identificar a doença através dos sintomas.

E há muitos outros vírus esquecidos em países tropicais pobres apenas esperando pela oportunidade certa para se espalharem e assustarem a América do Norte e a Europa. Ninguém se importa enquanto eles permanecem entre as pessoas pobres da África e da Ásia, mas o aquecimento global está aqui e doenças tropicais o amam mais do que qualquer outra coisa.

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Referências:

Gatherer, D. & Kohl, A., (2015). Zika virus: a previously slow pandemic spreads rapidly through the Americas Journal of General Virology DOI: 10.1099/jgv.0.000381

Hayes, E. B. 2009. Zika Virus Outside Africa. Emerging Infectious Diseases, 15(9): 1347-1350.

Vasconcelos, P. (2015). Doença pelo vírus Zika: um novo problema emergente nas Américas? Revista Pan-Amazônica de Saúde, 6 (2), 9-10 DOI: 10.5123/S2176-62232015000200001

Wikipedia. Zika virus. Disponível em: <https://en.wikipedia.org/wiki/Zika_virus&gt;. Acesso em 25 de janeiro de 2016.

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