Sexta Selvagem: Pleurobrânquio-Multicor

por Piter Kehoma Boll

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Algumas espécies são tão peculiares e fofas que parecem Pokémon da vida real (bem, ao menos com os Pokémon das primeiras gerações). Uma dessas espécies é Berthella martensi, o pleurobrânquio-multicor.

Um espécime branco com manchas escuras na Austrália. Foto de Steve Smith.*

Vivendo no Indo-Pacífico desde a zona entre-marés até uma profundidade de cerca de 25 m, o pleurobrânquio-multicor mede cerca de 5 a 6 cm de comprimento quando adulto e é frequentemente encontrado em lagunas rasas de recifes de corais. Os pleurobrânquios são um grupo de lesmas marinhas com uma brânquia externa localizada no lado direito do corpo, contrastando com os mais famosos nudibrânquios que possuem a brânquia no dorso.

Um dos padrões de cor mais típico do pleurobrânquio-multicor. Foto de Karen (usuário kswt do iNaturalist).*

O pleurobrânquio-multicor possui um manto proeminente que se estende na forma de grandes lobos cobrindo o corpo, incluindo a brânquia. Esses lobos podem ser autotomizados se o animal se sentir ameaçado, de forma que pode escapar e deixar o predador para trás com um lanchinho para se distrair. Mas o pleurobrânquio-multicor é um predador também, alimentando-se de esponjas e, de acordo com algumas fontes, também de ascídias.

Um espécime com todos os seus lobos do manto autotomizados. O pé é claramente visível, bem como a brânquia do lado direito (mostrada com zoom no canto interior esquerdo). Créditos a W. B. Rudman. Extraído de http://www.seaslugforum.net/factsheet/defauto.
Um espécime se alimentando de uma esponja em Palawan, Filipinas. Foto de Alain Bonnet. Extraído de http://www.seaslugforum.net/find/17244

Mas certamente uma das características mais marcantes do pleurobrânquio-multicor é a variedade de padrões de coloração que a espécie apresenta. Ele pode ter uma cor quase branca, creme-claro, ou ser roxo-escuro, quase preto, com várias cores intermediárias, como amarelo, laranja, vermelho ou cinza-arroxeado. Além da cor de fundo, frequentemente há várias manchas de uma cor mais clara em animais escuros e mais escura em animais claros. Espécimes com cor de fundo clara também podem ter uma margem escura nos lobos do manto, geralmente da mesma cor das manchas, apesar de isso nem sempre estar presente. Em animais escuros a margem sempre tem a mesma cor do fundo.

Um indivíduo escuro da Papua-Nova Guiné. Foto de Erik Schlogl.*

Apesar de sua beleza e fofura, o pleurobrânquio-multicor é mais uma espécie cuja ecologia é quase completamente desconhecida por nós. Mesmo tendo esse jeito carismático, ninguém se importou em conhecê-lo melhor até agora.

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Referências:

Rudman, W.B., 1998 (October 28) Berthella martensi (Pilsbry, 1896). [In] Sea Slug Forum. Australian Museum, Sydney. Disponível em http://www.seaslugforum.net/find/bertmart

Yonow, N. (2015). Sea Slugs: unexpected biodiversity and distribution. In The Red Sea (pp. 531-550). Springer, Berlin, Heidelberg. https://link.springer.com/chapter/10.1007/978-3-662-45201-1_30

Wikipedia. Berthella martensi. Disponível em https://en.wikipedia.org/wiki/Berthella_martensi. Acesso em 1 de dezembro de 2022.

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Sexta Selvagem: Bactéria-do-Pus-Verde

por Piter Kehoma Boll

O mundo está lotado de bactérias. Trilhões, quatrilhões, quintilhões delas ao redor de nós. Mas enquanto a maioria delas é inofensiva ou mesmo benéfica para nós, outras são realmente más.

Atualmente uma das bactérias mais perigosas para humanos é a chamada Pseudomonas aeruginosa, que eu decidi chamar de bactéria-do-pus-verde, e logo você vai descobrir por quê. Com um formato típico de bastão como muitas bactérias, suas células medem cerca de 1.5 a 3 µm de comprimento e 0.5 a 0.8 µm de largura.

Células de Pseudomonas aeruginosa com coloração Gram sob o microscópio. Foto do usuário Y_tambe do Wikimedia.**

Encontrada no mundo inteiro, a bactéria-do-pus-verde é uma das espécies mais generalistas que já encontramos. Ela vive frequentemente em ambientes ricos em oxigênio, mas pode sobreviver em locais anaeróbicos. Contanto que o ambiente tenha certa umidade, ela pode proliferar em qualquer lugar, incluindo o solo, a água, a superfície de animais, plantas e fungos e a superfície de objetos feitos por humanos.

A bactéria-do-pus-verde se alimenta de quase qualquer coisa orgânica, incluindo tecidos vivos e mesmo hidrocarbonetos. Ela é usada, por exemplo, para limpar o solo e a água após derramamentos de petróleo, pois come o petróleo derramado.

Apesar de não ser exatamente uma espécie parasita, os hábitos generalista e oportunistas da bactéria-do-pus-verde a fazem uma espécie potencialmente patogênica para humanos e muitos outros organismos. Se ela tiver a oportunidade de se alimentar de tecido vivo, ela vai. E isso não é tão difícil de ocorrer, já que essa espécie pode ser encontrada vivendo na nossa pele como parte de nossa microbiota. E como ela não estaria lá, né? Como eu disse, ela prolifera em qualquer lugar.

Não obstante, ela geralmente é uma espécie inofensiva em condições normais para humanos saudáveis. Ela é especialmente perigosa para imunocomprometidos e outros indivíduos seriamente feridos. Ela é uma das espécies mais comuns a se espalhar por hospitais e causar infecções hospitalares. Levada pelo ar, ela pode infectar o trato respiratório de imunocomprometidos e causar pneumonia. De forma similar, ela pode penetrar no trato urinário através de sondas infectadas e causar infecções urinárias ou, por cateteres, acabar na corrente sanguínea. Outra rota importante de infecção em humanos é através de queimaduras de pele severas, através das quais ela pode atingir os tecidos internos e se espalhar, alimentando-se dos indivíduos infectados ainda vivos.

Pseudomonas aeruginosa infectando células pulmonares. Créditos a Benoit-Joseph Laventie.*

Infecções pela bactéria-do-pus-verde produzem, como você deve ter deduzido, um pus verde característico. Quando cultivada no laboratório, suas culturas também apresentam uma cor verde-azulada, por isso o epíteto aeruginosa, que em Latim significa “com cor de azinhavre”. Essa cor é causada por dois metabólitos produzidos pela bactéria-do-pus-verde chamados piocianina (de cor azul) e pioverdina (de cor verde).

Culturas de P. aeruginosa frequentemente apresentam uma cor esverdeada. Foto do usuário Sun14916 do Wikimedia.**

Um dos fatos mais assustadores da bactéria-do-pus-verde é que ela é resistente à maioria dos antibióticos, principalmente devido a uma resistência natural, apesar de ela também adquirir resistências novas facilmente por seleção natural após ser exposta a antibióticos durante tratamentos. Isso torna muito difícil combater uma infecção causada por essa espécie, e uma pessoa infectada pode morrer facilmente. Como resultado, a bactéria-do-pus-verde também é uma das bactérias mais estudadas no mundo, e ela estimula pesquisas para o desenvolvimento de novos métodos de lutar contra infecções bactarianas que vão além do uso de antibióticos.

Então tome cuidado! Essa camaradinha está por todos os lados e, apesar de ser inofensiva a maior parte do tempo, ela também não hesitará em te infectar se uma oportunidade surgir.

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Mais bactérias patogênicas:

Sexta Selvagem: H. pylori (em 8 de setembro de 2017)

Sexta Selvagem: Bactéria-da-DAF (em 11 de junho de 2021)

Sexta Selvagem: Clamídia-Humana (em 14 de janeiro de 2022)

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Referências:

Diggle, S. P., & Whiteley, M. (2020). Microbe Profile: Pseudomonas aeruginosa: opportunistic pathogen and lab rat. Microbiology166(1), 30. https://doi.org/10.1099/mic.0.000860

Wikipedia. Pseudomonas aeruginosa. Available at < https://en.wikipedia.org/wiki/Pseudomonas_aeruginosa >. Access on 24 November 2022.

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*Creative Commons License Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons de Atribuição e Compartilhamento Igual 4.0 Internacional.

**Creative Commons License Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons de Atribuição e Compartilhamento Igual 3.0 Não Adaptada.

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Sexta Selvagem: Mandarová-Elegante

por Piter Kehoma Boll

Lepidópteros estão entre os invertebrados mais amados pelo público, especialmente por causa de sua beleza, seja dos adultos ou das larvas, ou às vezes até mesmo da pupa! Mandarovás estão entre aqueles lepidópteros que frequentemente chamam a atenção das pessoas. Eles foram a família Sphingidae e os adultos possuem uma forma peculiar e facilmente reconhecível, mas as lagartas são mais notáveis.

Um adulto do mandarová-elegante na Indonésia. Foto de Franz Anthony.*

O mandarová-elegante, Eupanacra elegantulus, é uma espécie encontrada no Sudeste da Ásia. Os adultos possuem uma cor amarronzada que não é muito diferente de um mandarová comum. As lagartas, por outro lado, são bem interessantes. Elas se alimentam de plantas da família Araceae, incluindo os gêneros Aglaonema, Alocasia, Dieffenbachia, Monstera e Syngonium, muitos dos quais são altamente tóxicos.

Uma lagarta bem jovem com sua cor verde meio uniforme e um espinho reto perto da extremidade posterior. Foto de Ananda Virgiana.*

Elas vivem na parte de baixo de folhas das quais se alimentam e começam suas vidas como lagartas pequenas de um verde quase uniforme com um espinho reto perto da extremidade posterior. No seu último ínstar elas apresentam um padrão curioso. O espinho da extremidade posterior se torna curvo, e um pouco para trás dos três pares de pernas verdadeiras o dorso apresenta uma grande mancha ocelar de cada lado. Uma linha preta criando uma forma mais ou menos oval conecta essas manchas ocelares de cada lado, e a área que essa linha contorna mostra um padrão que se assemelha a escamas de répteis.

Uma lagarta marrom com a cabeça encolhida, fazendo-a se parecer com uma cobra. Foto do usuário klearad do iNaturalist.*

O corpo neste estágio pode ser tanto verde quanto marrom, e a lagarta meio que lembra uma cobra quando a cabeça está encolhida, ou um crocodilo quando está estendida.

Uma lagarta com a cabeça exposta, fazendo-a parecer meio que um crocodilo. Foto do usuário tchaianunporn do iNaturalist.*

Quando elas empupam, se prendem embaixo de uma folha rodeadas por um casulo bem fraco de seda e alguns detritos.

Uma pupa rodeada pelo casulo fraco de seda e detritos. Foto de Ananda Virgiana.*

Apesar de ser uma espécie com um padrão bem interessante que imita cobras e crocodilos, o que chama a atenção de muitas pessoas, não há estudo nenhum focado nesta espécie. Atualmente a ciência ciadadã vem se tornando uma importante fonte de conhecimento, e eu penso que esta espécie se beneficiaria bastante de projetos que incluem a participação da comunidade.

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Referência:

Samuel. Eupanacra elegantulus life history. Common butterflies of Singapore. Disponível em < http://butterybuttermoth.blogspot.com/2009/03/eupanacra-elegantulus-life-history.html >. Acesso em 16 de novembro de 2022.

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Sexta Selvagem: Líquen-Barba-Hirsuto

por Piter Kehoma Boll

Líquens formam um grupo incrivelmente diverso de fungos associados a algas que são encontrados em todos os lugares do mundo. Um dos gêneros mais facilmente reconhecíveis é Usnea, cujas espécies são comumente conhecidas como barba-de-velho ou líquen-barba. Uma das espécie mais disseminadas no globo é Usnea hirta, o líquen-barba-hirsuto.

Um espécime do líquen-barba-hirsuto pendurado num ramo na Estônia. Foto de Teodor Agabus.*

Como todas as espécies de Usnea, o líquen-barba-hirsuto é um líquen fruticoso, o que significa que cresce na superfície de árvores e adquire a forma de um pequeno arbusto sem folhas ou um coral. Ele tem uma cor verde-acinzentada ou cinza-esverdeada, e seus “ramos” são muito flexíveis, mas não tão longos quanto em outras espécies que se parecem mais com uma barba. O local preferido para crescer são cascas ácidas, especialmente ramos de coníferas como Pinus, e ele não é tão comum em árvores decíduas, ao menos nas regiões temperadas. Ele também gosta de locais abertos onde possa receber bastante luz solar.

Uma espécie de Usnea, provavelmente o líquen-barba-hirsuto, crescendo no Uruguai. Foto de Pablo Balduvino.*

Com distribuição a nível global, o líquen-barba-hirsuto é uma espécie relativamente heterogênea, o que levou a muitos problemas em sua classificação, já que muitas formas regionais foram descritas como espécies separadas que mais tarde se revelaram a mesma que Usnea hirta.

Como muitos líquens, o líquen-barba-hirsuto pode se reproduzir tanto sexuada quanto assexuadamente. A reprodução sexuada ocorre através da produção de esporos em apotécios, estrutura em forma de taça. Quando os esporos são liberados no ambiente e germinam, eles precisam encontrar uma alga compatível para começar a nova associação ou o fungo não sobreviverá. Assim, a reprodução sexuada é muito difícil e a assexuada é a estratégia mais eficiente. Ela consiste em formar sorálios, pequenas “verrugas” que crescem conectadas aos ramos do líquen. Os sorálios são grupos de sorécios, que são pequenas unidades formadas por um pedaço de alga rodeado por hifas de fungo. Como ambos os componentes da associação já estão presentes, um sorécio pode germinar quanto acaba numa superfície adequada.

As estruturas verdes em forma de verrugas cobrindo a maioria dos ramos neste espécime da Letônia são provavelmente sorálios, as estruturas para reprodução assexuada. Foto de Davis Birzgalis.*

O líquen-barba-hirsuto é um líquen muito sensível à poluição do ar, especialmente a dióxido de enxofre (SO2) e compostos de nitrogênio. Ele também demonstra a habilidade de bioacumular metais pesados em seus tecidos. Como resultado, estudos mais recentes estão tentando torná-lo uma espécie modelo para biomonitoramento de poluição do ar na América do Norte.

Assim, se você se encontra rodeado por árvores cobertas com muitos e muitos líquens-barba-hirsutos, é provável que o ar onde você viva não seja tão ruim, ao menos considerando compostos de enxofre e nitrogênio.

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Mais líquens:

Sexta Selvagem: Líquen-solar-elegante (em 15 de julho de 2016)

Sexta Selvagem: Líquen-guirlanda (em 23 de dezembro de 2016)

Sexta Selvagem: Líquen-preto-pigmeu (em 13 de novembro de 2020)

Sexta Selvagem: Verrugueira-preta (em 29 de outubro de 2021)

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Referências:

Clerc, P. (1997). Notes on the genus Usnea Dill. ex Adanson. The Lichenologist29(3), 209-215. https://doi.org/10.1006/lich.1996.0075

Fos, S., & Clerc, P. (2000). The lichen genus Usnea on Quercus suber in Iberian cork-oak forests. The lichenologist32(1), 67-88. https://doi.org/10.1006/lich.1999.0242

Shrestha, G., Petersen, S. L., & CLAIR, L. L. S. (2012). Predicting the distribution of the air pollution sensitive lichen species Usnea hirta. The Lichenologist44(4), 511-521. https://doi.org/10.1017/S0024282912000060

Van Herk, C. M., Mathijssen-Spiekman, E. A. M., & De Zwart, D. (2003). Long distance nitrogen air pollution effects on lichens in Europe. The Lichenologist35(4), 347-359. https://doi.org/10.1016/S0024-2829(03)00036-7

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Arquivado em Fungos, Sexta Selvagem

Sexta Selvagem: Espadinha-da-Praia

por Piter Kehoma Boll

Um dos filos animais mais enigmáticos é Chaetognatha, que às vezes são chamados de vermes-seta como tradução do inglês arrow worms. Menos de 200 espécies são conhecidas, mas algumas são muito abundantes, então não é difícil encontrá-las se você olhar no lugar certo. Uma espécie particularmente comum é Spadella cephaloptera, que eu decidi chamar de espadinha-da-praia.

Uma espadinha-da-praia típica. Cabeça para a direita. Foto do usuário Zatelmar do Wikimedia.**

Todos os vermes-seta são muito pequenos, medindo até 10 ou 12 cm nos maiores, mas a espadinha-da-praia é muito menor, com somente 5 mm de comprimento. Eles são criaturas marinhas e a maioria das espécies é planctônica, mas a espadinha-da-praia é uma exceção que vive em águas rasas perto da costa, geralmente presa à superfície de algas e angiospermas marinhas em volta da Europa.

O corpo da espadinha-da-praia tem meio que o formato de um dardo e consiste de uma cabeça arredondada, um tronco alongado e uma cauda curta. A segunda metade do tronco e a cauda são rodeados por uma expansão achatada que funciona como uma nadadeira. Como todos os vermes-seta, a espadinha-da-praia possui um conjunto de espinhos agarradores em forma de gancho nos lados da cabeça, mas “bochechas”. Eles usam esses espinhos para capturar a presa, que no caso da espadinha-de-praia consistem principalmente de pequenos crustáceos vivendo no mesmo habitat.

Detalhe da cabeça mostrando os espinhos agarradores e dois pequenos olhos pretos. Foto de Lukas Schärer.*

A espadinha-da-praia é hermafrodita como todos os vermes-seta. O aparelho reprodutor feminino fica na segunda metade do tronco e o masculino na cauda. O acasalamento não inclui inseminação recíproca como em outros hermafroditas. Um dos dois indivíduos, que possui suas vesículas seminais cheias, se aproxima de outro, que possui seu receptáculo seminal vazio, e deposita uma massa de esperma na entrada da vagina do segundo. Os cílios da vagina se tornam muito ativos e os espermatzoides começam a nadar pelos cílios para entrar na vagina e atingir o receptáculo seminal.

Detalhe mostrando as vesículas seminais como duas estruturas marrons de cada lado. Foto de Lukas Schärer.*

Os dois indivíduos permanecem em contato, com um apontado para a cauda do outro, até o receptáculo seminal daquele recebendo estar cheio ou até serem perturbados. Se parte da massa de esperma continua para fora da vagina quando eles se separam, o que a recebeu come o que ficou para fora. Depois de os ovos serem fertilizados, eles permanecem algumas horas dentro da mãe até serem depositados. Cerca de 12 a 16 ovos são postos com intervalos de oito a dez dias entre as posturas. Os ovos permanecem presos ao substrato e, em cerca de 48 horas, pequenas versões dos adultos eclodem deles sem que haja uma fase larval.

Detalhe mostrando vários ovos em diferentes estágios de desenvolvimento de cada lado do corpo. Foto de Lukas Schärer.*

Apesar de quase invisível e frequentemente ignorada, a espadinha-da-praia é um predador importante neste ecossistema específico da praia que é, claro, conectado ao grande ecossistema marinho e, consequentemente, à toda a biosfera. Mas o quanto eles afetam a dinâmica de seu ecossistema? Isso é algo que ainda precisa ser investigado.

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Referências:

Goto, T. (1999). Fertilization process in the arrow worm Spadella cephaloptera (Chaetognatha). Zoological science16(1), 109-114. https://doi.org/10.2108/zsj.16.109

John, C. C. (1933). Habits, Structure, and Development of Spadella cephalopteraJournal of Cell Science2(300), 625-696. https://doi.org/10.1242/jcs.s2-75.300.625

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Sexta Selvagem: Espirógira-Negligenciada

por Piter Kehoma Boll

Quando criança e adolescente, eu era fascinado pelas formas de vida que eu achava em nosso quintal, incluindo muitos organismos fotossintéticos simples como cianobactérias (minha amada Nostoc, já apresentada aqui um bom tempo atrás), musgos e, claro, algas verdes. Algas verdes filamentosas costumavam crescer em grande quantidade em lagoas e poças formando manchas de limo cabeludo por todo lado. A maioria delas era, eu suponho, parte do gênero Spirogyra.

Disseminado pelo mundo, especialmente em climas temperados, o gênero Spirogyra contém centenas de espécies. Elas são todas muito parecidas e, pelo que consegui saber, difíceis de determinar a nível de espécie. Já faz um tempinho que eu queria trazer uma espécie de Spirogyra aqui, mas a maioria das imagens disponíveis online são identificadas só até o nível de gênero, e estudos que vão até o nível de espécie não apresentam fotografias delas. Mas depois de algum tempo tentando achar uma boa espécie eu acabei escolhendo uma chamada Spirogyra neglecta, que eu decidi traduzir como a espirógira-negligenciada, um nome que, de certa forma, descreve o estado geral do gênero a meu ver, especialmente em relação a material facilmente disponível para quem não é um espirogirólogo.

Uma espécie não identificada de Spirogyra que provavelmente é a espirógira-negligenciada. Foto do usuário jjlisowski do iNaturalist.*

Enfim, a espirógira-negligenciada, como todas as espécies de Spirogyra, pertence à ordem Zygnematales, que consiste de algas filamentosas. Mas o que significa algas filamentosas? Significa que elas existem como uma colônia de células conectadas uma à outra numa longa corrente, ou filamento, que pode ficar mais e mais longo à medida que as células seguem se dividindo. No caso de Spirogyra, a característica mais marcante é seu cloroplasto em forma de espiral, de onde o nome do gênero. O número de cloroplastos em cada célula varia de espécie para espécie. Algumas possuem apenas um, enquanto outras podem ter até oito, ou quem sabe até mais. No caso da espirógira-negligenciada, o número geralmente é de dois ou três.

Encontrada na região holártica (América do Norte, Europa e norte da Ásia), a espirógira-negligenciada gosta de crescer em água clara e eutrofizada (rica em nutrients). Ela costuma crescer completamente submersa, mas em dias ensolarados o excesso de fotossíntese faz bolhas de oxigênio aparecerem entre os filamentos e todo o “tapete” acaba flutuando até a superfície.

Esse é o aspecto geral de todas as espécies de Spirogyra quando você as vê em poças. Foto do usuário clasher929 do iNaturalist.*

A forma de reprodução mais comum entre espécies de Spirogyra é por simples divisão celular. As células típicas que formam as colônias são haploides, tendo só uma cópia de cada cromossomo. Quando as condições ambientais não estão adequadas para sobrevivência ou crescimento, pode ocorrer reprodução sexuada por um processo chamado conjugação. Neste processo, duas células, geralmente de filamentos diferentes que estão deitados lado a lado, se conectam através de um tubo de conjugação. O conteúdo de uma das células (considerada masculina) migra para dentro da outra célula (considerada feminina) e seus núcleos se fundem, assim originando um zigoto ovoide. O zigoto se torna rodeado por uma parede espessa, formando o chamado zigósporo, que pode suportar condições difíceis como seca e falta de nutrientes por meses. Durante esse tempo, o núcleo diploide do zigósporo passa por meiose, formando quatro núcleos haploides, dos quais somente um sobrevive. Quando as condições ambientais se tornam adequadas, o zigósporo germina numa nova célula de Spirogyra que vai crescer num novo filamento à medida que se reproduz por fissão.

Vários zigósporos formados dentro de um filamento “feminino” após conjugação. Note as células “masculinas” vazias embaixo. Foto de Vasily Vishnyakov.*

Espécies do gênero Spirogyra são comestíveis e a espirógira-negligenciada não é diferente. Essas algas são um ingrediente comum na culinária do norte da Tailândia, onde são comidas especialmente cruas como salada. Apesar de ser um alimento barato, a espirógira-negligenciada é rica em nutrientes e possui propriedades antioxidantes. Extratos desta alga demonstraram atividades anti-inflamatórias e anticâncer, bem como a habilidade de estimular o sistema imunológico.

Você já tinha pensado em fazer uma salada com esse limo verde que cresce em lagoas ao seu redor?

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Referências:

Duangjai, A., Limpeanchob, N., Trisat, K., & Amornlerdpison, D. (2016). Spirogyra neglecta inhibits the absorption and synthesis of cholesterol in vitro. Integrative Medicine Research5(4), 301-308. https://doi.org/10.1016/j.imr.2016.08.004

Mesbahzadeh, B., Rajaei, S. A., Tarahomi, P., Seyedinia, S. A., Rahmani, M., Rezamohamadi, F., … & Moradi-Kor, N. (2018). Beneficial effects of Spirogyra Neglecta Extract on antioxidant and anti-inflammatory factors in streptozotocin-induced diabetic rats. Biomolecular Concepts9(1), 184-189. https://doi.org/10.1515/bmc-2018-0015

Ontawong, A., Saowakon, N., Vivithanaporn, P., Pongchaidecha, A., Lailerd, N., Amornlerdpison, D., … & Srimaroeng, C. (2013). Antioxidant and renoprotective effects of Spirogyra neglecta (Hassall) Kützing extract in experimental type 2 diabetic rats. BioMed Research International2013https://doi.org/10.1155/2013/820786

Schagerl, M., & Zwirn, M. (2015). A brief introduction to the morphological species concept of Spirogyra and emanating problems. Algological studies, 67-86. 10.1127/algol_stud/2015/0231

Surayot, U., Wang, J., Lee, J. H., Kanongnuch, C., Peerapornpisal, Y., & You, S. (2015). Characterization and immunomodulatory activities of polysaccharides from Spirogyra neglecta (Hassall) Kützing. Bioscience, Biotechnology, and Biochemistry79(10), 1644-1653. https://doi.org/10.1080/09168451.2015.1043119

Thumvijit, T., Taya, S., Punvittayagul, C., Peerapornpisal, Y., & Wongpoomchai, R. (2014). Cancer chemopreventive effect of Spirogyra neglecta (Hassall) Kützing on diethylnitrosamine-induced hepatocarcinogenesis in rats. Asian Pacific Journal of Cancer Prevention15(4), 1611-1616. https://doi.org/10.7314/APJCP.2014.15.4.1611

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Sexta Selvagem: Ácaro-Pé-de-Pluma-do-Mediterrâneo

por Piter Kehoma Boll

Infinitas formas de beleza existem entre as pequenas criaturinhas que frequentemente nos cercam. Ácaros, que são tão onipresents, contêm várias belezas negligenciadas. Uma delas é o camaradinha de hoje, Eatoniana plumipes, que eu decidi batizar de ácaro-pé-de-pluma-do-Mediterrâneo.

Ácaro-pé-de-pluma-do-Mediterrâneo fotografado da Espanha por Simon Oliver*.

Adultos do ácaro-pé-de-pluma-do-Mediterrâneo são consideravelmente grandes para um ácaro, medindo uns poucos milímetros de comprimento, geralmente mais de 1 cm quando as pernas são consideradas. Eles são marrom-avermelhados, mais claros nas pernas e outros apêndices, e suas pernas traseiras são muito mais longas que as outras e possuem um tufo de pelos pretos longos que as faz parecer uma pluma, por isso o nome pé-de-pluma. Como sugerido pelo nome comum, a espécie é encontrada nos arredores do Mediterrâneo, incluindo o sul da Europa, norte da África, Turquia e o Oriente Médio.

Apesar de de ser um ácaro grande e consideravelmente bonito, muito pouco é conhecido sobre a história de vida do ácaro-pé-de-pluma-do-Mediterrâneo. Ele pertence a um grupo de ácaros que são predadores quando adultos, mas parasitas quando larvas. As larvas eclodem de ovos vermelhos postos pelas fêmeas no ambiente e são, é claro, muito menores que os adultos. Elas também têm só três pares de pernas, não quatro como os adultos, e não possuem as plumas características vistas nos adultos.

Alguns ovos do ácaro-pé-de-pluma-do-Mediterrâneo e uma larva recém-eclodida. Extraído de Mąkol & Sevsay (2015).

Quase nada é conhecido sobre os hábitos alimentares desta espécie. Gafanhotos estão entre os hospedeiros identificados das larvas, mas é provável que outros artrópodes sejam parasitados também. As larvas se prendem às pernas dos hospedeiros e se alimentam ali, sugando sua hemolinfa (o “sangue” dos artrópodes). Não consegui encontrar informação nenhuma sobre quais espécies servem de presa para os adultos.

Apesar de não sabermos quase nada sobre a ecologia do ácaro-pé-de-pluma-do-Mediterrâneo, ainda podemos apreciar sua beleza, e essa espécie certamente desempanha algum papel fundamental em seu ecossistema.

Se você vive ao redor do Mediterrâneo, já viu algum deles por aí? Comente aí!

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Mais ácaros:

Sexta Selvagem: Ácaro-de-veludo-vermelho-gigante (em 22 de julho de 2016)

Sexta Selvagem: Ácaro-da-lacerdinha-da-figueira (em 28 de junho de 2019)

Sexta Selvagem: Carrapato-de-Rinoceronte (em 18 de outubro de 2019)

Sexta Selvagem: Ácaro-da-babosa (em 7 de fevereiro de 2020)

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Sexta Selvagem: Giradora-Hermafrodita

por Piter Kehoma Boll

A maioria dos platelmintos conhecidos até hoje são parasitas, e é provável que estes sejam, de fato, a maioria do filo. Não obstante, a diversidade de platelmintos de vida livre é certamente subestimada. Isso é especialmente notável quando falamos sobre o camaradinha de hoje, Gyratrix hermaphroditus, um minúsculo platelminto que eu decidi chamar em português de giradora-hermafrodita.

Medindo cerca de 1 a 2 mm de comprimento, a giradora-hermafrodita é uma criaturinha bem fofa. Ela possui o formato de uma gota alongada, arredondada na extremidade posterior e meio pontuda na extremidade anterior. Há dois olhinhos pequenos que ficam um pouco para trás da extremidade anterior, fazendo com que ela pareça ter um focinho alongado e móvel. Ela meio que se parece com uma versão microscópica de uma foca.

Um espécime fofinho da giradora-hermafrodita. Podemos ver os dois olhos pretos com a faringe à frente deles, o intestino preenchido de alimento, o estilete parecido com uma agulha perto da extremidade posterior e um ovo ovalado. Foto extraída de plingfactory.de

Pelo corpo da giradora-hermafrodita ser transparente, podemos ver seus órgãos internos com facilidade. Entre os olhos e a ponta anterior podemos ver uma estrutura que parece um cilindro transparente. Essa é a probóscide, usada para capturar presas. Quando o intestino está cheio de alimento, também pode ser percebido.

A giradora-hermafrodita é um animal curioso porque é encontrada pelo mundo todo, em todos os continentes, mas também tanto em água doce quanto em ambientes marinhos. De fato ela não é uma só espécie, mas um complexo de espécies muito similares que foram consideradas, ou tratadas como, uma única espécie por décadas. Estudos molecular recentes, no entanto, deixaram claro que a giradora-hermafrodita não é uma, mas muitas espécies diferentes. Apesar de casos de complexos de espécie considerados uma só espécie serem comuns entre organismos microscópicos, a giradora-hermafrodita é um caso especial em que, pelo que se descobriu até agora, o complexo inclui um número realmente gigantesco de espécies, provavelmente centenas delas.

Dá uma olhada numa delas em ação no tweet acima.

Como o nome da giradora-hermafrodita já dá a entender, ela é hermafrodita como a maioria dos platelmintos. Perto da extremidade posterior de seu corpo podemos ver uma estrutura reta parecida com uma agulha, o estilete. Ele é parte do aparelho copulador masculino, formando meio que um pênis rígido em forma de agulha, que é usado para penetrar o corpo de outros indivíduos e fertilizá-los. Às vezes também podemos ver indivíduos com ovos não postos dentro deles. Estes aparecem como estruturas ovaladas marrons. Quando os ovos são postos, ficam presos ao substrato por um pequeno pedúnculo que impede que sejam carregados para longe pela água.

Um ovo da giradora-hermafrodita prestes a eclodir. Podemos ver os dois olhos através da concha. Sua cara triste é provavelmente porque ele terá que viver no mesmo mundo que o Bolsonaro. Foto extraída de plingfactory.de

Apesar da distribuição a nível global deste complexo de espécies, não sabemos quase nada sobre o comportamento e a ecologia da giradora-hermafrodita. Elas se alimentam de animais menores e protistas que dividem o mesmo ambiente. A captura de presas geralmente ocorre com a probóscide, mas elas também podem usar o estilete para perfurar a presa. Depois disso, posicionam a boca sobre o ferimento e começam a sugar o conteúdo da presa. Como na maioria dos platelmintos, a boca fica localizada no ventre, mais ou menos na metade do corpo.

Vamos esperar que os nossos colegas zoólogos que trabalham com esses minúsculos platelmintos comecem a dividir esse complexo nas espécies reais, como a giradora-hermafrodita merece.

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Referências:

Tesses, B., Gijbels, M., & Artois, T. (2009). MATING AND FEEDING BEHAVIOUR OF THE EURYHALINE COSMOPOLITAN FLATWORM GYRATRIX HERMAPHRODITUS. Belgium, 27 November 2009: VLIZ Special Publication, 43. Vlaams Instituut voor de Zee (VLIZ): Oostende, Belgium. xiii+ 221 pp.

Tessens, B., Monnens, M., Backeljau, T., Jordaens, K., Van Steenkiste, N., Breman, F. C., … & Artois, T. (2021). Is ‘everything everywhere’? Unprecedented cryptic diversity in the cosmopolitan flatworm Gyratrix hermaphroditus. Zoologica Scripta50(6), 837-851. https://doi.org/10.1111/zsc.12507

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Sexta Selvagem: Plasmódio-Mortal

por Piter Kehoma Boll

Humanos podem ser infectados por um grande número de diferentes parasitas, mas nenhum parasita possui um impacto tão grande na nossa espécie como aqueles do gênero Plasmodium, que causam a doença conhecida como malária. Várias espécies diferentes de Plasmodium infectam humanos, mas hoje vamos falar da mais mortal delas, Plasmodium falciparum, que eu decidi chamar de plasmódio-mortal.

O gênero Plasmodium pertence ao filo Apicomplexa, um grupo de protistas exclusivamente parasitas que evoluíram de algas de vida livre. Além de Plasmodium, outro importante apicomplexo que infecta humanos é o toxo, que causa toxoplasmose e já apareceu como um camaradinha aqui alguns anos atrás.

O ciclo de vida do plasmódio-mortal é muito complexo e inclui dois hospedeiros, um humano e um mosquito do gênero Anopheles. Quando um mosquito infectado pica um humano, ele libera entre 20 e 200 esporozoítos, que são um dos estágios de vida do plasmódio-mortal. Os esporozoítos são células alongadas que deslizam pela corrente sanguínea do humano infectado até atingirem o fígado. Eles usam seu complexo apical, uma estrutura formada de várias glândulas e organelas, para penetrar as células do fígado. O complexo apical é perdido no processo.

Ciclo de vida do plasmódio-mortal. Créditos a La Roche Lab, UC Riverside.**

Dentro das células do fígado, o esporozoíto se transforma num trofozoíto, que vive dentro de um vacúolo e começa a crescer e sofrer mitose e meiose sem divisão celular até se tornar uma célula única com dezenas de milhares de núcleos chamada esquizonte. O esquizonte eventualmente arrebenta em dezenas de milhares de células haploides pequenas chamadas merozoítos, que entram novamente na corrente sanguínea. Dotados de novos complexos apicais, os merozoítos agora o usam para entrar em glóbulos vermelhos e se transformam novamente em trofozoítos, que agora são haploides. Esse trofozoíto haploide que infecta glóbulos vermelhos cresce de novo e passa por mitose para formar um novo grande esquizonte que eventualmente vai arrebentar de novo em novos merozoítos que entram na corrente sanguínea mais uma vez e infectam novos glóbulos vermelhos, recomeçando o ciclo. Dentro dos glóbulos vermelhos, os trofozoítos se alimentam de hemoglobina e convertem parte dela num pigmento granular insolúvel chamado hemozoína.

Um trofozoíto (esquerda) e um esquizonte (centro, abaixo) em glóbulos vermelhos.

Todas as células de plasmódio infectando glóbulos vermelhos possuem seu ciclo em sincronia, de forma que todos os merozoítos são liberados na corrente sanguínea e infectam novas células simultaneamente. O ciclo dentro dos glóbulos vermelhos dura cerca de 48 horas e está relacionado com a típica manifestação cíclica de febre e calafrios causada pela malária falciparum.

Eventualmente alguns merozoítos se transformam em formas sexuais, os gametócitos masculino e feminino, conhecidos como microgametócito e macrogametócito, respectivamente. Elas levam entre uma e duas semanas para atingir a maturidade. Após atingirem esse estágio, se o humano infectado é mordido por um mosquito, os gametócitos são ingeridos e, dentro do intestino do mosquito, passam por mudanças morfológicas. O macrogametócito cresce para uma forma maior e esférica chamada macrogameta. O microgametócito sofre divisão celular em 15 minutos e se dividi em oito microgametas flagelados. Um microgameta fertiliza um macrogameta, o que origina um zigoto. O zigoto se desenvolve em uma célula móvel chamada oocineto que penetra os tecidos do mosquito e se transforma num oocisto imóvel. O oocisto cresce e sofre divisão nuclear até se tornar uma grande célula multinucleada chamada esporoblasto. O esporoblasto arrebenta em milhares de esporozoítos, que migram até as glândulas salivares do mosquito e, quando o mosquito pica outro humano, são liberados na corrente sanguínea, recomeçando o ciclo.

Um macrogametócito (esquerda) e um microgametócito (direita) entre glóbulos vermelhos.

Os principais efeitos deletérios causados pela malária em humanos ocorrem devido à destruição massiva dos glóbulos vermelhos e a produção de hemozoína, que é tóxica aos tecidos e começa a se acumular em diversos órgãos, prejudicando sua função. Apesar de várias espécies de Plasmodium causarem malária em humanos, cerca de 50% de todas as mortes por malária são causadas apenas pelo plasmódio-mortal, fazendo dele o mais mortal de todos os parasitas em humanos.

O plasmódio-mortal aparentemente evoluiu cerca de 10 mil anos atrás na África a partir de uma espécie muito similar que infecta gorilas. Atualmente, apesar de a maioria das infecções e mortes ainda ocorrerem na África subsaariana, o plasmódio-mortal se espalhou ao redor do mundo e também é prevalente próximo ao equador na América do Sul e na Ásia.

Devido à alta letalidade da malária falciparum a humanos, a doença causa uma forte pressão seletiva em populações humanas em áreas onde o parasita é comum. Assim, apesar de alguns dizerem que a seleção natural não afeta mais humanos, o plasmódio-mortal está aí para refutar esse argumento.

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Outros apicomplexos:

Sexta Selvagem: Toxo (em 5 de maio de 2017)

Sexta Selvagem: Âncora-Flecha (em 15 de janeiro de 2021)

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Referências:

Lambros, C., & Vanderberg, J. P. (1979). Synchronization of Plasmodium falciparum erythrocytic stages in culture. The Journal of parasitology, 418-420.

Maier, A. G., Matuschewski, K., Zhang, M., & Rug, M. (2019). Plasmodium falciparum. Trends in parasitology35(6), 481-482. https://doi.org/10.1016/j.pt.2018.11.010

Talman, A. M., Domarle, O., McKenzie, F. E., Ariey, F., & Robert, V. (2004). Gametocytogenesis: the puberty of Plasmodium falciparum. Malaria journal3(1), 1-14. https://doi.org/10.1186/1475-2875-3-24

Wikipedia. Plasmodium falciparum. Disponível em < https://en.wikipedia.org/wiki/Plasmodium_falciparum >.

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Sexta Selvagem: Pulmonária-Comum

por Piter Kehoma Boll

Azul é uma cor relativamente rara na natureza, mas em alguns lugares ela aparece muito mais que em outros. Flores de plantas da família Boraginaceae são frequentemente azuis. O miosótis é possivelmente o exemplo mais popular, mas não é o único. Hoje nosso camaradinha é outra espécie de flores azuis que também é bastante popular, mas nem tanto por suas flores e sim por suas folhas em forma de pulmão, a pulmonária-comum Pulmonaria officinalis.

As folhas manchadas da pulmonária-comum que são ditas parecerem pulmões doentes. Foto de Jakob Fahr.*

Quando você encontra uma planta cujo nome se refere a uma parte do corpo, muito provavelmente isso tem a ver com a antiga doutrina das assinaturas, a ideia de que uma planta que se assemelha a um órgão humano pode ser usada para tratar doenças daquele órgão. Esse é o caso da pulmonária-comum e da hepática-comum, que eu apresentei aqui algum tempo atrás. As folhas ovais e meio cordiformes da pulmonária-comum são ligeiramente peludas no lado superior e marcadas por vários pontos brancos ou pálidos. Pensava-se que elas representavam um pulmão ulcerado e, portanto, eram usadas para tratar doenças dos pulmões. Apesar de alguns estudos terem revelado que extratos de pulmonária podem apresentar propriedades biológicas como atividade antioxidante, anti-inflamatória e cicatrizante, nada foi encontrado que seja diretamente relacionado aos pulmões.

Encontrada através da maior parte da Europa continental, a pulmonária-comum é uma planta pequena formada por um rizoma rastejante do qual as folhas brotam na forma de rosetas. Ela gosta de crescer no solo da floresta, sob a copa das árvores, mas não gosta de lugares com sombra demais. Sendo uma espécie europeia, ela é muito tolerante ao frio, aguentando temperaturas de até -29 °C.

As flores da pulmonária-comum começam vermelhas e lentamente se tornam azuis à medida que envelhecem. Foto do usuário laivoi do iNaturalist.*

Na primavera, entre março e maio, as flores aparecem em inflorescências na ponta de ramos que crescem das rosetas de folhas. Elas crescem durante o período em que as árvores estão apenas começando a produzir novas folhas, de forma que as flores ficam completamente expostas ao sol. Cada inflorescência tem 5 a 15 flores hermafroditas com cinco pétalas. As flores começam vermelhas e, à medida que envelhecem, mudam de cor para roxo e finalmente azul. Essa mudança de cor ocorre porque os pigmentos são antocianinas que são afetadas pelo pH, sendo vermelhas em ambientes ácidos e azuis em ambientes alcalinos. Os principais polinizadores da pulmonária-comum são abelhas e a planta só quer que elas visitam as flores jovens, vermelhas. Como resultado, a mudança de cor ajuda a direcionar os polinizadores ao sinalizar que as flores azuis não são interessantes (e, de fato, elas não possuem mais néctar). Mas por que a planta mantém flores por períodos maiores em vez de perder as pétalas e produzir frutos de uma vez? Bem, porque quanto mais flores você tem, mais polinizadores consegue atrair de longe. Um grande número de flores te faz mais visível de longe, mas, à medida que os polinizadores se aproximam, as diferentes cores os guiam para o lugar certo.

Apesar de serem velhas demais para serem polinizadas, as flores azuis ainda são úteis em atrair os polinizadores para as flores mais jovens, vermelhas. Foto do usuário oburridge do iNaturalist.*

O fruto da pulmonária-comum é um esquizocarpo, isto é, um fruto pequeno e seco que se divide em porções menores, cada uma contendo uma semente. No caso da pulmonária-comum, cada fruto contém quatro sementes, e os principais dispersadores são formigas. As formigas coletam os frutos, os levam para suas colônias e alimentam as larvas com suas porções carnosas, descartando a semente depois.

A pulmonária-comum é uma planta popular por causa de suas flores que mudam de cor e sua resistência ao frio, mas, como podemos ver, essa beleza esconde uma beleza ainda mais profunda causada por sua interação com as pequenas criaturas que dividem o mesmo espaço com ela.

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Referências:

Chauhan, S., Jaiswal, V., Cho, Y. I., & Lee, H. J. (2022). Biological Activities and Phytochemicals of Lungworts (Genus Pulmonaria) Focusing on Pulmonaria officinalisApplied Sciences12(13), 6678. https://doi.org/10.3390/app12136678

Meeus, S., Brys, R., Honnay, O., & Jacquemyn, H. (2013). Biological flora of the British Isles: Pulmonaria officinalisJournal of Ecology101(5), 1353-1368. https://doi.org/10.1111/1365-2745.12150

Wikipedia. Pulmonaria officinalis. Disponível em < https://en.wikipedia.org/wiki/Pulmonaria_officinalis >. Acesso em 22 de setembro de 2022.

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