Sexta Selvagem: Plasmódio-Mortal

por Piter Kehoma Boll

Humanos podem ser infectados por um grande número de diferentes parasitas, mas nenhum parasita possui um impacto tão grande na nossa espécie como aqueles do gênero Plasmodium, que causam a doença conhecida como malária. Várias espécies diferentes de Plasmodium infectam humanos, mas hoje vamos falar da mais mortal delas, Plasmodium falciparum, que eu decidi chamar de plasmódio-mortal.

O gênero Plasmodium pertence ao filo Apicomplexa, um grupo de protistas exclusivamente parasitas que evoluíram de algas de vida livre. Além de Plasmodium, outro importante apicomplexo que infecta humanos é o toxo, que causa toxoplasmose e já apareceu como um camaradinha aqui alguns anos atrás.

O ciclo de vida do plasmódio-mortal é muito complexo e inclui dois hospedeiros, um humano e um mosquito do gênero Anopheles. Quando um mosquito infectado pica um humano, ele libera entre 20 e 200 esporozoítos, que são um dos estágios de vida do plasmódio-mortal. Os esporozoítos são células alongadas que deslizam pela corrente sanguínea do humano infectado até atingirem o fígado. Eles usam seu complexo apical, uma estrutura formada de várias glândulas e organelas, para penetrar as células do fígado. O complexo apical é perdido no processo.

Ciclo de vida do plasmódio-mortal. Créditos a La Roche Lab, UC Riverside.**

Dentro das células do fígado, o esporozoíto se transforma num trofozoíto, que vive dentro de um vacúolo e começa a crescer e sofrer mitose e meiose sem divisão celular até se tornar uma célula única com dezenas de milhares de núcleos chamada esquizonte. O esquizonte eventualmente arrebenta em dezenas de milhares de células haploides pequenas chamadas merozoítos, que entram novamente na corrente sanguínea. Dotados de novos complexos apicais, os merozoítos agora o usam para entrar em glóbulos vermelhos e se transformam novamente em trofozoítos, que agora são haploides. Esse trofozoíto haploide que infecta glóbulos vermelhos cresce de novo e passa por mitose para formar um novo grande esquizonte que eventualmente vai arrebentar de novo em novos merozoítos que entram na corrente sanguínea mais uma vez e infectam novos glóbulos vermelhos, recomeçando o ciclo. Dentro dos glóbulos vermelhos, os trofozoítos se alimentam de hemoglobina e convertem parte dela num pigmento granular insolúvel chamado hemozoína.

Um trofozoíto (esquerda) e um esquizonte (centro, abaixo) em glóbulos vermelhos.

Todas as células de plasmódio infectando glóbulos vermelhos possuem seu ciclo em sincronia, de forma que todos os merozoítos são liberados na corrente sanguínea e infectam novas células simultaneamente. O ciclo dentro dos glóbulos vermelhos dura cerca de 48 horas e está relacionado com a típica manifestação cíclica de febre e calafrios causada pela malária falciparum.

Eventualmente alguns merozoítos se transformam em formas sexuais, os gametócitos masculino e feminino, conhecidos como microgametócito e macrogametócito, respectivamente. Elas levam entre uma e duas semanas para atingir a maturidade. Após atingirem esse estágio, se o humano infectado é mordido por um mosquito, os gametócitos são ingeridos e, dentro do intestino do mosquito, passam por mudanças morfológicas. O macrogametócito cresce para uma forma maior e esférica chamada macrogameta. O microgametócito sofre divisão celular em 15 minutos e se dividi em oito microgametas flagelados. Um microgameta fertiliza um macrogameta, o que origina um zigoto. O zigoto se desenvolve em uma célula móvel chamada oocineto que penetra os tecidos do mosquito e se transforma num oocisto imóvel. O oocisto cresce e sofre divisão nuclear até se tornar uma grande célula multinucleada chamada esporoblasto. O esporoblasto arrebenta em milhares de esporozoítos, que migram até as glândulas salivares do mosquito e, quando o mosquito pica outro humano, são liberados na corrente sanguínea, recomeçando o ciclo.

Um macrogametócito (esquerda) e um microgametócito (direita) entre glóbulos vermelhos.

Os principais efeitos deletérios causados pela malária em humanos ocorrem devido à destruição massiva dos glóbulos vermelhos e a produção de hemozoína, que é tóxica aos tecidos e começa a se acumular em diversos órgãos, prejudicando sua função. Apesar de várias espécies de Plasmodium causarem malária em humanos, cerca de 50% de todas as mortes por malária são causadas apenas pelo plasmódio-mortal, fazendo dele o mais mortal de todos os parasitas em humanos.

O plasmódio-mortal aparentemente evoluiu cerca de 10 mil anos atrás na África a partir de uma espécie muito similar que infecta gorilas. Atualmente, apesar de a maioria das infecções e mortes ainda ocorrerem na África subsaariana, o plasmódio-mortal se espalhou ao redor do mundo e também é prevalente próximo ao equador na América do Sul e na Ásia.

Devido à alta letalidade da malária falciparum a humanos, a doença causa uma forte pressão seletiva em populações humanas em áreas onde o parasita é comum. Assim, apesar de alguns dizerem que a seleção natural não afeta mais humanos, o plasmódio-mortal está aí para refutar esse argumento.

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Outros apicomplexos:

Sexta Selvagem: Toxo (em 5 de maio de 2017)

Sexta Selvagem: Âncora-Flecha (em 15 de janeiro de 2021)

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Referências:

Lambros, C., & Vanderberg, J. P. (1979). Synchronization of Plasmodium falciparum erythrocytic stages in culture. The Journal of parasitology, 418-420.

Maier, A. G., Matuschewski, K., Zhang, M., & Rug, M. (2019). Plasmodium falciparum. Trends in parasitology35(6), 481-482. https://doi.org/10.1016/j.pt.2018.11.010

Talman, A. M., Domarle, O., McKenzie, F. E., Ariey, F., & Robert, V. (2004). Gametocytogenesis: the puberty of Plasmodium falciparum. Malaria journal3(1), 1-14. https://doi.org/10.1186/1475-2875-3-24

Wikipedia. Plasmodium falciparum. Disponível em < https://en.wikipedia.org/wiki/Plasmodium_falciparum >.

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