Ame ao filho do teu próximo: por que alguns animais cuidam dos filhotes de outros?

por Piter Kehoma Boll

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Cuidado parental, aqui definido como qualquer comportamento em que um animal toma conta de seus filhotes, é uma prática difundida no reino animal, tendo evoluído repetidamente em muitos táxons. Não é difícil notar, considerando a seleção natural, por que o cuidado parental é um traço adaptativo. Ele aumenta a chance de a prole sobreviver e assim carregar os genes para a próxima geração.

Uma ave alimentando seus bebês. Foto de JJ Harrison.*

Por outro lado, o comportamento relacionado a este e conhecido como cuidado aloparental não é tão fácil de explicar em todas as situações em que ocorre.

Enquanto cuidado parental significa cuidar da sua própria prole, cuidado aloparental significa cuidar da prole de outro indivíduo. Se você gasta tempo e recursos tomando conta de um animal que não é seu descendente direto, você deve ter uma boa razão para fazê-lo, uma razão que de alguma forma te beneficie. Ou você pode apenas ser muito burro.

A maioria dos animais rejeita ou mesmo mata a prole de outros indivíduos da mesma espécie. Um clássico exemplo é um leão macho que mata os filhotes que ele sabe não serem seus. Ele faz isso porque ele não vê vantagem em deixar a prole de outro macho sobreviver.

Um exemplo extremo de cuidado com jovens que não são sua prole direta é encontrado em insetos sociais como abelhas e formigas. Formigas operárias geralmente não reproduzem, mas criam suas irmãs como se fossem suas próprias filhas. Nesse caso, é mais vantajoso fazer irmãos do que fazer filhos por causa do peculiar sistema de reprodução dos himenópteros. Não entrarei em detalhes, mas, basicamente, formigas compartilham 100% do DNA de seu pai e 50% do DNA de sua mãe, de forma que duas formigas irmãs possuem 75% dos genes em comum, enquanto a relação entre uma formiga fêmea e uma prole fêmea é de apenas 50%.

Abelhas ajudam a mãe a criar suas irmãs. Foto do usuário Waugsberg do Wikimedia.*

No entanto cuidado aloparental é encontrado em muitos outros animais, especialmente em mamíferos. Apesar de não terem 75% de similaridade entre irmãos como em formigas, muitos mamíferos e outros animais ajudam suas mães e/ou seus pais a criarem seus irmãos. Isso possui vantagens menos diretas, mas elas ainda estão lá. Afinal, seus irmãos (se eles são da mesma mãe E do mesmo pai) compartilham 50% do seu DNA, a mesma quantidade que você compartilha com seus filhos. Mas cuidado aloparental também pode acontecer com parentes mais distantemente relacionados, como netos ou meios-irmãos, que compartilham somente 25% do DNA com você. Isso não é um problema, no entanto, porque se você não é capaz de ter seus próprios filhos naquele momento, é melhor ajudar a criar aqueles jovens que compartilham algum DNA com você do que não fazer nada, porque 25% dos seus genes ainda é melhor que nada.

Um artigo recentemente publicado reporta a primeira observação de cuidado aloparental em campo no peixe ciclídeo Neolamprologus savoryi. A equipe observeu um peixe macho ajudando a tomar conta dos ovos de outro macho que se descobriu ser seu pai, apesar de a mãe dos ovos não ser sua mãe. O macho ajudante era pequeno e provavelmente sexualmente imaturo, de forma que, como dito acima, ajudar seus meios-irmãos, que possuem 25% de seus genes, a sobreviver é melhor do que não fazer nada.

Um macho imaturo de Neolamprologus savoryi tomando conta dos ovos de seu pais e sua madrasta. Créditos a Josi et al. (2019).

Uma coisa realmente difícil de explicar é por que alguns animais aceitam tomar conta da prole de indivíduos não aparentados, no qual não há uma vantagem adaptativa clara. Uma situação como essa foi descoberta recentemente ocorrendo na lacrainha-comum Forficula auricularia. Fêmeas que tiveram seus ovos substituídos pelos de uma fêmea não relacionada tomaram conta deles como se eles fossem seus próprios. Nenhuma vantagem de qualquer tipo pode ser extraída deste comportamento, de forma que a explicação mais provável é simplesmente a falta de pressão adaptativa para rejeitar ovos não relacionados. É provável que, em condições naturais, uma fêmea de lacrainha nunca encontre ovos de outra fêmea. Desta forma, nunca houve um cenário no qual a capacidade de reconhecer os próprios ovos (e diferenciá-los de outros) pudesse evoluir. A seleção natural precisa de oportunidades para agir.

Forficula auricularia com uma massa de ovos. Foto de Tom Oates.*

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Referências:

Josi D, Taborsky M, Frommen JG (2019) First field evidence of alloparental egg care in cooperatively breeding fish. Ethology 125(3): 164–169. doi: 10.1111/eth.12838

Royle NJ, Moore AJ (2019) Nature and Nurture in Parental Care. In: Genes and Behaviour, pp. 131–156. John Wiley & Sons, Ltd. doi: 10.1002/9781119313663.ch7

Van Meyel S, Devers S, Meunier J (2019) Love them all: mothers provide care to foreign eggs in the European earwig Forficula auriculariaBehavioral Ecology. doi:10.1093/beheco/arz012

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