Sexta Selvagem: Trufa-Negra

por Piter Kehoma Boll

Humanos comem muitas espécies de fungos, a maioria das quais chamamos de cogumelos. Apesar de a maioria dos cogumelos pertencerem ao filo Basidiomycota, alguns pertencem a Ascomycota, como as morelas e as trufas, as quais estão entre os fungos comestíveis mais caros do mundo.

Esse é certamente o caso com a trufa-negra, Tuber melanosporum. Nativa do sul da Europa, especialmente da Espanha, França, Itália e Croácia, a trufa-negra vive como ectomicorrizas, isto é, um simbionte benéfico de raízes de plantas. As plantas, que incluem carvalhos, castanheiras, cerejeiras e outras, se beneficiam da associação com as trufas ao melhorarem o crescimento das raízes e a fotossíntese, por exemplo. Isso ocorre porque as trufas fornecem às plantas muitos nutrientes importantes, como potássio, fósforo, nitrogênio, enxofre, ferro, cobre e muitos outros. Em troca, a planta fornece carbono à trufa na forma de carboidratos.

Uma trufa-negra no solo. Foto do usuário Royonx do Wikimedia.*

Contudo, para outras plantas vivendo perto dessas árvores, a presença das trufas pode ser um pesadelo. Dedicada a assegurar a dominância de sua árvore amiga, a trufa-negra pode parasitar as raízes de árvores próximas e emitir compostos voláteis que causam estresse oxidativo em outras plantas, limitando seu crescimento. Como resultado, uma zona ausente de vegetação pode ser vista em torno das árvores companheiras.

Uma zona sem vegetação em torno de uma árvore associada a trufas. Foto de Marianne Casamance.***

Os corpos de frutificação da trufa-negra crescem embaixo da terra. Eles são mais ou menos redondos, com uma pele escura com protrusões piramidais e atingem cerca de 10 cm de diâmetro, apesar de às vezes poderem ficar bem maiores. O interior é inicialmente branco, mas se torna escuro e permeado de linhas brancas à medida que o corpo de frutificação amadurece.

Alguns corpos de frutificação após a coleta na Croácia, com um cortado ao meio para mostrar a cor do interior. Foto de John Plischke.*

Uma das características mais marcantes dos corpos de frutificação é seu forte aroma causado por uma mistura de vários compostos voláteis,, incluindo álcoois, aldeídos e compostos de enxofre, muitos dos quais também estão presentes no aroma de vários vegetais e nos feromônios de certos animais. Parte desses compostos é produzida pela própria trufa e outros por leveduras que vivem associados a ela.

Esse forte cheiro tem função ecológica, claro. Ele pode atrair espécies que se alimentam dos corpos de frutificação, como porcos, que os escavam e ajudam a espalhar os esporos. Moscas do gênero Suilla também são atraídas pelo cheiro e põem seus ovos acima dos corpos de frutificação para que as larvas se alimentem deles.

Humanos também desenvolveram um gosto por esses corpos de frutificação aromáticos e os vêm comendo há séculos ou mesmo milênios. Devido ao interesse de porcos pelas trufas, estes são frequentemente usados para detectar os corpos de frutificação enterrados. Contudo, como os porcos estão interessados em comê-los, da mesma forma que nós humanos estamos, eles estão sempre ávidos em desenterrar as trufas, o que pode danificar não só o corpos de frutificação como a rede de micélios. Consequentemente, seu uso como detectores de trufas vem caindo e cães passaram a ser usados em seu lugar, já que eles podem ser treinados para detectar os corpos de frutificação mas não estão interessados em comê-los. Da mesma forma, quando se encontra moscas do gênero Suilla voando ou andando sobre um ponto no solo, muito provavelmente há trufas enterradas ali.

Um cão procurando trufas. Foto do usuário Classicalordinal do Wikimedia.*

Apesar de muito apreciadas por humanos, as trufas-negras são muito caras, com um preço que pode atingir 2 mil euros por quilo. Como resultado, elas não são consumidas tão frequentemente. Seu aroma se dissipa muito rapidamente quando elas são aquecidas, de forma que são frequentemente comidas cruas, especialmente como finas fatias dispostas em cima de outros alimentos.

Fatias de trufa-negra sobre macarrão. Foto de Sarah Stierch.*

Atualmente as trufas-negras são cultivadas em várias regiões do mundo, incluindo Reino Unido, Austrália, Nova Zelândia, África do Sul e Américas do Norte e do Sul. Por outro lado, as mudanças climáticas estão ameaçando as populações em florestas de suas regiões nativas no sul da Europa.

Você já comeu trufas? Como é o sabor?

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Referências:

Kohler, A., Kuo, A., Nagy, L. G., Morin, E., Barry, K. W., Buscot, F., … & Martin, F. (2015). Convergent losses of decay mechanisms and rapid turnover of symbiosis genes in mycorrhizal mutualists. Nature genetics47(4), 410-415. https://www.nature.com/articles/ng.3223

Le Tacon, F., Rubini, A., Murat, C., Riccioni, C., Robin, C., Belfiori, B., … & Paolocci, F. (2016). Certainties and uncertainties about the life cycle of the Périgord black truffle (Tuber melanosporum Vittad.). Annals of Forest Science73(1), 105-117. https://annforsci.biomedcentral.com/articles/10.1007/s13595-015-0461-1

Wikipedia. Tuber melanosporum. Available at < https://en.wikipedia.org/wiki/Tuber_melanosporum >. Access on 25 March 2022.

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*Creative Commons License Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons de Atribuição e Compartilhamento Igual 3.0 Não Adaptada.

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***Creative Commons License Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons de Atribuição Não Comercial 4.0 Internacional

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