Altas temperaturas afetam o julgamento de mandarins e dos humanos que os estudam

por Piter Kehoma Boll

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O mandarim, Taeniopygia guttata, é uma ave australiana que é frequentemente usada como modelo de estudos comportamentais focados na vocalização.

Mandarim (Taeniopygia guttata). Foto de Jim Bendon.*

Recentemente, uma equipe de pesquisadores da Austrália descobriu um novo tipo de chamado nesta espécie e o chamou de “chamado de incubação”. Esta vocalização particular foi identificada como ocorrendo durante os últimos cinco dias de incubação quando uma das aves, o macho ou a fêmea, estava sozinha com os ovos, e somente quando a temperatura estava acima de 26°C. Isso levantou a hipótese de que esse chamado é usado pelos pais para comunicar aos embriões que a temperatura ambiente está alta e que esta informação seria usada pelos filhotes para adaptarem seu comportamento e seu metabolismo a temperaturas mais altas.

Um estudo experimental foi conduzido onde os ovos foram mantidos em incubadoras sob uma temperatura constante e expostos (teste) ou não (controle) a chamados de incubação gravados. O resultado indicou que os filhotes que foram expostos aos chamados cresceram mais rápido em altas temperaturas que aqueles que não foram expostos ao chamado. A diferença média em massa dos filhotes entre as diferentes temperaturas foi de cerca de 2 g apenas, apesar de a diferença em massa entre dois filhotes aleatoriamente selecionados poder ser de até 6 g. Adicionalmente, o valor de R² das análises, que diz quanto da variação é explicada pela variável medida, foi de apenas 0.1, ou seja, a temperatura explicou apenas 10% das diferenças de crescimento entre as diferentes temperaturas para ambos os tratamentos.

Filhotes no ninho.

Um dos aspectos mais intrigantes, no entanto, foi o fato de o chamado de incubação ser produzido em temperaturas tão baixas quanto 26°C, o que não é particularmente quente no ambiente natural do mandarim. Assim, outra equipe conduziu novos estudos para entender melhor como e quando o “chamado de incubação” é produzido. Eles decidiram renomear o chamado de “chamado-v” porque seu formato é de um V invertido em espectrogramas. Eles descobriram que o chamado-v está relacionado ao arquejo, quando as aves respiram rapidamente com o bico aberto para ajudar a reduzir a temperatura corporal, e é possivelmente um efeito colateral do arquejo e não um chamado deliberadamente direcionado. Ele também não é produzido somente nos últimos cinco dias de incubação, mas durante a incubação toda e durante o crescimento dos filhotes, e algumas aves são mais propensas a v-chamar que outras. Os resultados sugerem que o chamado-v dificilmente evoluiu como um chamado de incubação e é mais provavelmente um efeito colateral de arquejar. Há, no entanto, a possibilidade de que os embriões usem essa informação para modular seu crescimento, apesar de mais estudos serem necessários.

Outros estudos recentes com mandarins indicam que temperaturas elevadas podem possuir efeitos negativos no sucesso reprodutivo das aves. Temperaturas perto de 40°C reduzem a qualidade do esperma em mandarins machos e reduzem a habilidade de fêmeas discriminarem entre cantos produzidos por machos da mesma espécie e machos de espécies diferentes e distantemente relacionadas. A combinação destes dois efeitos pode levar a uma severa redução na reprodução ao reduzir os eventos de acasalamento e reduzir a habilidade do esperma de fertilizar os ovos.

Uma modulação fisiológica em embriões para lidar com os efeitos negativos das temperaturas elevadas, como sugerido pelo uso de chamados-v, certamente seria benéfico. Talvez seja um comportamento ainda sob seleção? Vamos ver o que futuros estudos nos dizem.

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Referências:

Coomes CM, Danner RM, Derryberry EP (2019) Elevated temperatures reduce discrimination between conspecific and heterospecific sexual signals. Animal Behavior 147: 9–15. https://doi.org/10.1016/j.anbehav.2018.10.024

Hurley LL, McDiarmid CS, Friesen CR, Griffih SC, Rowe M (2018) Experimental heatwaves negatively impact sperm quality in the zebra finch. Proceedings of the Royal Society B: Biological Sciences 285(1871): 20172547. https://doi.org/10.1098/rspb.2017.2547

Mariette MM, Buchanan KL (2016) Prenatal acoustic communication programs offspring for high posthatching temperatures in a songbird. Science 353(6301): 812–814. https://doi.org/10.1126/science.aaf7049

McDiarmid CS, Naguib M, Griffith SC (2018) Calling in the heat: the zebra finch “incubation call” depends on heat but not reproductive stage. Behavioral Ecology 29(6): 1245–1254. https://doi.org/10.1093/beheco/ary123

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