Sexta Selvagem: Noz-do-Mar

por Piter Kehoma Boll

Carambolas-do-mar, que constituem o filo Ctenophora, estão entre os mais intrigantes animais. Apesar de elas se parecerem com águas-vivas à primeira vista, ambos os grupos não são proximamente relacionados, já que as águas-vivas são cnidários. Uma das razões para as carambolas-do-mar serem menos populares pode ser simplesmente o fato de elas serem bem menos diversas que os cnidários. Existe somente cerca de uma espécie de ctenóforo para cada 100 espécies de cnidários.

Como resultado, após 318 Sextas Selvagens, nenhuma carambola-do-mar foi apresentada aqui antes, mas isso muda hoje. Vamos falar de Mnemiopsis leidyi, a carambola-do-mar-verrugosa ou noz-do-mar. Vamos ficar com o segundo nome porque soa mais legal.

A bela noz-do-mar com suas cores iridescentes. Foto de Bruno C. Vellutini.*

A noz-do-mar é nativa do Oceano Atlântico ocidental, isto é, próximo da costa da América. Com um corpo oval, transparente e lobado, ela mede até 12 cm de comprimento e 2.5 cm de diâmetro. Como a maioria das carambolas-do-mar, a noz-do-mar é capaz de emitir luz por reações químicas quando estimulada no escuro. Contudo isso não é observado tão frequentemente, apesar de muitas pessoas pensarem que elas estão produzindo luzes coloridas constantemente, formando linhas que lembram arco-íris. No entanto isso é causado por refração de luz e não bioluminescência de verdade e, como resultado, só pode ser observado quando uma fonte de luz externa incide sobre o animal.

A noz-do-mar é um carnívoro e se alimenta de uma variedade de organismos, principalmente zooplâncton, tal como crustáceos, ovos e larvas de peixes e mesmo outras carambolas-do-mar. Seus predadores incluem peixes, aves, águas-vivas e carambolas-do-mar maiores.

A noz-do-mar não parece tão mágica quando acaba na praia. Foto do usuário twosandcastles do iNaturalist.**

Um fenômeno interessante na noz-do-mar é sua defecação. Ela possui um intestino em forma de saco que na maior parte do tempo tem só a boca como abertura. Contudo quando seu intestino está cheio de fezes, parte dele meio que se expande como um balão até tocar a epiderme e se fundir com ela, formando um ânus temporário pelo qual as fezes são expelidas. O processo é revertido e o ânus desaparece logo depois. Mas existe mais uma coisa peculiar nessa história. A defecação ocorre a intervalos regulares, cerca de uma vez a cada hora nos adultos e uma vez a cada 10 minutos nas larvas. Consegue imaginar isso? Precisar fazer e desfazar seu ânus a cada hora? Ou a cada 10 minutos?

Apesar de sua bioluminescência e suas cores iridescentes, a noz-do-mar tem um lado sombrio também. Como dito acima, esta espécie é nativa do Atlântico Ocidental, onde ela vive muito bem, obrigado, com outras criaturas marinhas. Nos anos 1980, no entanto, ela foi acidentalmente introduzida no Mar Negro, provavelmente através de água de lastro de navios mercadores. Observada pela primeira vez em 1982, a espécie chegou a uma densidade de 400 espécimes por metro cúbico em 1989. Sua presença causou uma queda dramática nas populações de uma espécie de anchova, Engraulis encrasicholus, um peixe comercialmente importante na região. Para controlar sua população, outra carambola-do-mar foi introduzida no Mar Negro, Beroe ovata, que é um predador natural da noz-do-mar. Felizmente ambas as espécies parecem ter chegado a uma dinâmica predador-presa estável, caso contrário a situação poderia ter ficado ainda pior.

Mas humanos nunca se cansam de encontrar novas formas de arruinar os ecossistemas, né? A Rússia desenvolveu uma rede de canais para navegação passando através dos rios do país que conecta vários corpos de água salgada, incluindo o Mar Negro, o Mar Cáspio, o Mar Báltico e o Mar Branco. Como resultado, a noz-do-mar conseguiu se espalhar do Mar Negro para o Mar Cáspio em 1999. Lá ela começou a se alimentar de ovos e larvas de um pequeno peixe e levou a uma redução na população de peixes maiores e focas.

Durante o século XXI, a noz-do-mar continuou se espalhando pelos mares europeus, colonizando os mares Mediterrâneo, Báltico e do Norte. Seu impacto nessas áreas ainda é desconhecido, mas poderia ser catastrófico, especialmente no Mar Báltico, que é um dos ambientes marinhos mais impactados na Europa.

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Referências:

Schnitzler, C. E., Pang, K., Powers, M. L., Reitzel, A. M., Ryan, J. F., Simmons, D., … & Baxevanis, A. D. (2012). Genomic organization, evolution, and expression of photoprotein and opsin genes in Mnemiopsis leidyi: a new view of ctenophore photocytes. BMC biology10(1), 1-26. https://doi.org/10.1186/1741-7007-10-107

Shiganova, T. A., Sommer, U., Javidpour, J., Molinero, J. C., Malej, A., Kazmin, A. S., … & Delpy, F. (2019). Patterns of invasive ctenophore Mnemiopsis leidyi distribution and variability in different recipient environments of the Eurasian seas: A review. Marine environmental research152, 104791. https://doi.org/10.1016/j.marenvres.2019.104791

Wikipedia. Mnemiopsis. Available at < https://en.wikipedia.org/wiki/Mnemiopsis >. Access on 06 January 2022.

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